25
Ago 11

SONHO AMERICANO

O meu bisavô queria apenas passar por Portugal
e depois atravessar o Atlântico.
Mas teve de se contentar com chamar América à primeira filha.

David Teles Pereira
publicado por RAA às 15:11 | comentar | favorito
25
Ago 11

DA SERRA DA ARRÁBIDA

Do meio desta Serra derramando
A saudosa vista nas salgadas
Águas humildes, quando e quando inchadas,
Conforme a qual o tempo vai soprando,

Estou comigo só considerando,
Donde foram parar cousas passadas,
E donde irão presentes mal fundadas,
Que pelos mesmos passos vão passando.

Oh! Qual se representa nesta parte
Aquela derradeira hora de vida
Tão devida, tão certa, e tão incerta!

Em quantas tristes partes se reparte,
Dentro nesta alma minha, entristecida,
A dor, que em tais extremos desperta!

Frei Agostinho da Cruz
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24
Ago 11

PAZ (1)

Pedrinhas que o mar trouxe à areia branca,
Algas ao tanque verde a cor do rio,
Minha alma se desprende em luz, sombrio
O corpo sem entrada à porta franca.

Meus sonhos quem os fez nascer tranquilos,
Serenos? Não seria a hora incerta
Que o coração ouvisse a voz desperta
E deles não seria mais que ouvi-los.

Ó sugestão marítima perdida,
De algas e rios e o mais que à vida
Deve meu ser tornado em marinheiro,

Acorda em mim de novo a voz distante
De horizontes sem fim e a cada instante
Traz-me a paz tão roubada ao mundo inteiro.

Arnaldo França
publicado por RAA às 14:21 | comentar | favorito
24
Ago 11

CANGA

Jesualdo Monte, não és homem.
És um burro
carregado de ossos;
as palavras, insetos,
volteiam-te a garupa;
até a carne é hostil
sob a carcaça
e o presságio dos seres
te enternece.

Não te movem as fendas,
nem as urzes,
nem o jogo de vozes,
o repouso das tardes
e as vigas
que desceram ao rio
no teu lombo.

O mundo te apertou com sua cincha
e tudo em ti
transpõe o desespero,
desapegando patas e raízes.

É esta a condição de não ser homem:
dormir, placidamente, sem remorsos,
no curral dos mortos.

É esta a condição de não ser homem:
ruminar o assombro, junto ao feno,
receber o milagre sem transtorno,
seguindo sempre, onde manda o dono.

É esta a condição de não ser homem:
lanhado o casco por chicote lesto,
zurrar, apenas, mastigando o freio.

É esta a condição de não ser homem.

Carlos Nejar
publicado por RAA às 11:13 | comentar | favorito
23
Ago 11

IN A SENTIMENTAL MOOD

Aquele piano cama

evita levitar.

Geometria acesa
máquina
porta reta aberta
ao ponto
discreto inequilíbrio
plano
da euforia precisa
sentir pensar.

Sempre paraíso
feito completo
portátil por perto
riso ao sol perfeito
seu beijo como piano
como clima som desejo.

Aquele piano
na cama
sós
é vida
a se excitar.

Frederico Barbosa
publicado por RAA às 14:12 | comentar | favorito
23
Ago 11

REGRESSO

Não vim à procura de nada
Nem de saudades que não tenho
Nem de carga do tempo perdido
Nem de conflitos sobrenaturais
Do tempo e do espaço

Amei desde criança
Certas coisas que não choro
Fui a pureza deslumbrada que não volta jamais
O vidro sem ranhura que o sol atravessa
A pureza
Que me deixou feridas imortais

Vim para ver
Para ver de novo
Para contemplar sem perguntas

Não vim à procura de nada
Não me perguntem por nada
Um rio não se interroga
O vento não se arrepende

Vila Cabral, 22-2-63

Alberto de Lacerda
publicado por RAA às 11:18 | comentar | favorito
22
Ago 11

A MÍ NO ME MIREN

Lo he dicho muchas veces y hasta me parece
que han sido demasiadas y tal vez inútiles
tantas justificaciones y disculpas:
no quiero que me cuenten entre ustedes.
No es por una cuestión de edad -me doy cuenta
que ustedes lo saben- ni por odio universal alguno
ni siquiera porque varios de ustedes me resultan
francamente insoportables.
Tampoco por temor a encontrarme
con ella, después de todo lo que pasara entre nosotros,
porque eso, para mí, es parte ya definitiva del olvido.
Simplemente, no quiero ser más uno de ustedes.

Me doy cuenta de que es muy difícil confesar esto
después de tantos años compartidos, en los que todos creímos
estar forjando una amistad hasta la muerte.
Por otra parte, la verdad es que recién ahora me doy cuenta
de las cosas que nos separan de modo –diría- inequívoco.
Tuvieron que pasar algunos años y muchas cosas
para eso, pero nunca es tarde para empezar
a decirse la verdad.
Se los digo: no quiero que me cuenten entre ustedes.

Caigo en la cuenta ahora: me aburren esas reuniones
en las que sólo nos adulamos unos a otros mientras tratamos
de ver de qué manera seducimos a las mujeres
de nuestros amigos, mientras se bebe sin medida
y muchas veces sin ganas y se discute sin altura
sobre las cosas más profundas
y se cantan, ya en la madrugada, canciones que suenan
irremediablemente previsibles mientras comienzan despedidas
tan patéticas como lacrimógenas. Puede que la mía
sea una visión antipática y por qué no injusta,
pero la verdad es que no puedo
mentirles: no quiero ser más uno de ustedes.

Por eso es que será difícil que volvamos a vernos como antes.
Empezaron a gustarme estas noches a solas, las caminatas
por una ciudad de la que me había ido alejando sin saberlo,
los nuevos amigos que se descubren sin buscarlos,
las mujeres de ojos grandes acodadas en la barra,
gente que no pide compromisos ni ofrece
reciprocidades absurdas. Entre ellos, suicidarse,
detonar una bomba, perderse en la selva,
son acciones naturales que difícilmente alteren su rutina.
He arribado al lugar indicado.

Rafael Ielpi

publicado por RAA às 19:00 | comentar | favorito

PALAVRAS DE JACOB DEPOIS DO SONHO

Amei a mulher, amei a terra, amei o mar
amei muitas coisas que hoje me é difícil enumerar
De muitas delas de resto falei
Não sei talvez eu me possa enganar
foram tantas as vezes que me enganei
mas por trás da mulher da terra e do mar
pareceu-me ver sempre outra coisa talvez o senhor
É esse o seu nome e nele não cabe temor
Mas depois deste sonho sou obrigado a cantar:
Eis que o senhor está neste lugar
Porquê não sei talvez uma pequena haste balance
talvez sorria alguma criança
Terrível não é o homem sozinho na tarde
como noutro tempo de esplendor cantei
Terrível é este lugar
Terrível porquê? Não sei bem
Talvez porque o senhor pisa esta terra com os seus pés
(lembro-me até de que mandou tirar as sandálias a moisés)
Levanto os dois braços aos céus
Aqui -- mulher terra mar --
Aqui só pode ser a casa de deus
publicado por RAA às 14:48 | comentar | favorito
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22
Ago 11

BIRDS IN THE NIGHT

Ouço-as à noite, trémulo-erradias,
Pássaros negros! lúcida Saudade!
O silêncio da Altura que as invade,
Suavíssimo-serenas Harmonias!

Cítaras, que, através da Imensidade,
O lento ressurgir de épocas frias
Vão embalando, brandas e macias,
Em acordes de amor e piedade...

Ouço-as, Alma da Sombra, veludosas,
Como do Sonho às portas luminosas
A esta saudade que me faz cantar;

Ouço-as, à noite, cantam! indizíveis,
Misteriosos sons intraduzíveis!
Metamorfoses brancas do Luar!

Gustavo Santiago
publicado por RAA às 11:07 | comentar | favorito
21
Ago 11
21
Ago 11

...

Casas silvestres na talha das flores

esconsas velhas em cemitérios de aldeia

as cinzas desprendidas aos ventos
varridas nas soleiras das portas

vivas abrem a madeira às cruzes
regressam à memória que as vem morrer.

Alexandre Nave
publicado por RAA às 21:06 | comentar | favorito