30
Nov 11
30
Nov 11

PONTE EM RUÍNA

A ponte, no rio

Da Vida, rompeu-se ao meio...

Ninguém nela passa...

Para além, arcos de sonho;

Aquém, arcos de desgraça.

 

Ponte que nem ligas

Sonho e desgraça, não mais

Me trarás ninguém,

Dos céus do sonho à tristeza,

Do mundo ao sonho de além.

 

Só, dentro da vida,

Sobre os inúteis pilares

Sem arcos de esp'rança,

Vejo os caminhos perdidos

No futuro e na lembrança.

 

João de Castro Osório

 

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29
Nov 11

CANÇÃO DA ROÇA

Roça tem sol

roça tem água

café maduro

e cacau gostoso...

 

              Roça tudo tem!

 

Mas roça também tem

sangue de negro e mulato

correndo nas ribeiras

saltitando nas lavadas

gritando

gritando sempre:

«Fugi di roça

Fugi di roça!»

E na ânsia de levar o grito

para o vale e para a montanha

corre por todos os cantos da roça!

E esse sangue ne negro e mulato

é seiva que faz properar...

o cafeeiro cresce

é cacau gostoso

e a verdura trepa

trepa para os céus!

Mas o grito desse sangue derramado

fica ao de cima pairando no tempo...

E nas noites de vento

e nas noites de calma

nas manhãs de sol

e nos dias de chuva...

 

                           «Fugi di roça

                            fugi di roça!»

 

Terêncio Anahory

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29
Nov 11

Brejo das Almas

autor: Carlos Drummond de Andrade (Itabira do Mato Dentro, 31.X.1902 -- Rio de Janeiro, 1987)

título: Brejo das Almas

editora: Editora Record

local: Rio de Janeiro

ano: 2001 (1.ª ed., 1934)

págs.: 107

dimensões: 26,5x13,7x0,6 cm. (brochado)

impressão: Divisão Gráfica da Distribuidora Record

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28
Nov 11

EU TE DOU OS MELHORES ANOS DE MINHA VIDA

Coso a alça de um vestido descosido,

enquanto pregas um prego

numa madeira bichada,

dou chiclete a nosso filho

para parar de gritar,

te mostro a casa cheirando

a pinho e desodorante,

me sorris agradecendo.

É certo que não quero recompensa.

Mas te beijo a boca vomitada

que tem gosto de fome

e de torrada.

 

Leila Miccolis

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28
Nov 11

STARS FELL ON ALABAMA

Cannonball plantando o tema

bala de som

redondo e reto

brilho de balão.

 

Nós e o nosso drama

beijo em campo branco

coração martelo

e lá no centro

eu e você.

 

Cannonball colhendo tempo

som canhão de pesadelo

no rosto o sopro negro

«dos combates que vão dentro do peito».

 

Estrelas caindo aqui

ontem, a noite

plano imaginado

e lá no centro

Cannonball arde por dentro.

 

Frederico Barbosa

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27
Nov 11
27
Nov 11

INFÂNCIA (IV)

Chamo

a cada ramo

de árvore

uma asa.

 

E as árvores voam.

 

Mas tornam-se mais fundas

as raízes da casa,

mais densa

a terra sobre a infância.

 

É o outo lado

da magia.

 

Carlos de Oliveira

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26
Nov 11
26
Nov 11

o princípio de m. c. escher (I)

prelúdio e figa sobre um tema popular

 

a)

 

lá sai uma, saem as duas

as três pombas do papel

saem do bico da pena

 

que nesta folha as escreve

e que as penas lhes alisa

sem acrescentar as minhas,

 

ganham força, ganham força,

e aos poucos se desenleiam,

já se equilibram, já voam,

descrevem uma parábola

dum branco intenso no azul,

vêm pousar no peitoril,

de patinhas saltitantes

pulam pra cima da mesa,

fazem dum livro degrau

e regressam ao papel,

entram na caligrafia

que as prende no seu cordel,

letra a letra, linha a linha,

outra vez palavras planas

que atravessam toda a página

pra voltarem a soltar-se

na chegada ao outro lado

e não há ponto final

 

Vasco Graça Moura

publicado por RAA às 19:56 | comentar | favorito
25
Nov 11

Cantos do Canto

autor: Fiama Hasse Pais Brandão
título: Cantos do canto
colecção: «Poesia» #31
editora: Relógio d'Água
local: Lisboa
ano 1995
págs.: 57
dimensões: 21x14x0,4 c. (brochado + s/c)
impressão: Arco-Íris, Artes Gráficas
capa: Fernando Mateus
publicado por RAA às 18:00 | comentar | favorito
25
Nov 11

IMPRESSIONISMO

Menina negra foi a enterrar

em caixão branquinho

enfeitado com uma cruz vermelha.

O branco falava da virgindade

e o vermelho do sangue d'Aquela

cujo sangue também coagulou.

 

O sol entornava amarelo

e o verde-verde dos ciprestes

não falava de esperança.

 

Naquele falso bailado de cores

menina negra foi a enterrar.

 

Fonseca Amaral

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24
Nov 11
24
Nov 11

A DOENÇA DA PEDRA

Os barcos padeciam da doença da pedra:

estavam imóveis sobre os ancoradouros

como se não existisse a tentação do mar.

Tinham cordas enrodilhadas, remos ensarilhados,

velame estendido no convés, e, para além disso,

um imenso vazio a inundar os porões e as pontes.

Apodreciam, pacientes, à míngua de vento,

saudoso do embalo das ondas,

desnorteados pela falta de rota.

Eram barcos com uma embriaguez de vento

erguida na proa e uma coroa de algas

levantada nos mastros. Vinham altivos

do mar de outros séculos, arrecadando no bojo

um tesouro de vozes, uma bravura corsária,

uma cobiça de oiro. Deitava-me neles

com um sonho enredado nas malhas que tiram

sustento das águas e com um mapa

para sempre guardado na febre dos olhos.

 

José Jorge Letria

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