30
Dez 11

VERS

*

 

amor que parte o claro riso

em querer desmedido

e recusa insana

 

amor que me toma

como um carrossel de sóis

e um girassol de lâmpadas

 

vê se me alumia

me esclarece

me doma

 

 

**

 

) sim não simnão nim são sins (

 

eis que não me sei

ser menos que seis

toda e cada vez

 

) sim não simnão nim são sins (

 

 

***

 

amor que vence os tigres

vê se vence a mim

 

e me arrasa e me ilumina

 

para que eu saiba

saber o sim

 

Antonio Risério

publicado por RAA às 17:29 | comentar | favorito
30
Dez 11

LOURDES CASTRO, RUA DA OLARIA

O pardal do campo descobre muitos lugares para uma casa

a poucos metros de mim

mundos sobrepostos transitam, preenchem o silêncio

e para o ânimo deles

quem não se levantaria cedo?

 

A minha arte é uma espécie de pacto:

não distingo as áreas selvagens das cultivadas

e elas não distinguem a minha sombra

da minha luz

 

José Tolentino Mendonça

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29
Dez 11
29
Dez 11

BEATITUDE

Assim, bento de ignorância

e desleixo, deslizo

pelo cano dos dias

-- projectos? -- todos grandes 

e muitos,

certo de que o tempo

os vai gastando,

ao ritmo a que se amontoam

as beatas no cinzeiro

e com o mesmo cheiro.

 

José Alberto Oliveira

publicado por RAA às 23:57 | comentar | favorito
28
Dez 11

MORDAÇA

Puseram-lhe na boca uma mordaça...

 

Mas o Poeta era Poeta

e tinha que falar.

 

Fez um esforço enorme,

puxou a voz como quem golfa sangue,

e a mordaça soltou-se-lhe da boca.

 

Porém, não era já mordaça:

 

-- Agora,

era um poema a queimar

os ouvidos das turbas inimigas

que, na praça, o tinham querido calar.

 

Sebastião da Gama

publicado por RAA às 15:54 | comentar | favorito

BARCOS

À querida ilha de São Vicente

de Cabo Verde.

 

       «Nha terra ê quel piquinino

       ê São Vicente ê quê di meu.»

 

Nas praias

Da minha infância

Morrem barcos

Desmantelados.

 

Fantasmas

De pescadores

Contrabandistas

Desaparecidos

Em qualquer vaga

Nem eu sei onde.

 

E eu sou a mesma

Tenho dez anos

Brinco na areia

Empunho os remos...

Canto e sorrio

À embarcação:

Para o mar!

É para o mar!...

 

E o pobre barco

O barco triste

Cansado e frio

Não se moveu...

 

Cambambe, 3 de maio de 1962

 

Yolanda Morazzo

publicado por RAA às 12:36 | comentar | favorito
28
Dez 11

QUANTO PUDERES

E se não podes fazer a tua vida como a queres,

pelo menos procura isto

quanto puderes: não a aviltes

na muita afinidade com o mundo,

nos muitos movimentos e conversas.

 

Não a aviltes, levando-a,

passeando-a frequentemente e expondo-a

em relações e convívios

da parvoíce do dia-a-dia,

até se tornar como uma estranha pesada.

 

Konstandinos Kavafis

 

(Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis)

publicado por RAA às 00:56 | comentar | favorito
27
Dez 11
27
Dez 11

PAPO DE ÍNDIO

Veio uns ômi di saia preta

cheiu di caixinha e pó branco

qui êles disserum qui chamava açucri

Aí ele falarum e nós fechamu a cara

depois êles arrepitirum e nós fechamu o corpo

Aí eles insistirum e nós comemu êles.

 

Chacal

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26
Dez 11
26
Dez 11

JAZZ

a noite tece ao redor.

há uma lua uma abó

bada um rosto de lilian gish

que alguém deixou de propósito,

atrás da mureta a

aspereza azul levita

e torna a afundar

abrindo prata e ror nessa hipnose.

correm notas pela escada

pérolas          as teclas

os degraus.

eis:                e depois

um sax desperta flores nos quadris.

 

de que lugar em mim verto esse caos?

 

Claudia Roquette-Pinto

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24
Dez 11
24
Dez 11

...

de todas a mais volátil

é a categoria tempo

 

Fernando Assis Pacheco

publicado por RAA às 02:45 | comentar | favorito
22
Dez 11
22
Dez 11

COLONO

à memória de João Luís do Amaral

 

Quase perdida a memória das frias águas

escorrendo pelas encostas

bíblico fitavas esta chuva

estes ventos

estas árvores de grandes sombras.

 

Os caminhos da juventude entre Douro e Minho

a casa velha da quinta dos invernos

-- tudo palavras de um livro arrumado na estante

que (para o manter vivo)

de longe em longe passava pelos olhos.

 

Pão levedado de erros e grandezas

aos dentes da vida te deste inteiro

enquanto a cidade nascia sob os teus pés

crescia

e as raízes da rotina milímetro por milímetro

se iam afundando.

 

Partiste

sem te despedires

para a licençla ilimitada mais definitiva

mas entre Chamanculo e Xipamanine

o chão que pisaste

retém teu nome para sempre.

 

Maotas, 1953

 

João Fonseca Amaral

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