28
Dez 11

MORDAÇA

Puseram-lhe na boca uma mordaça...

 

Mas o Poeta era Poeta

e tinha que falar.

 

Fez um esforço enorme,

puxou a voz como quem golfa sangue,

e a mordaça soltou-se-lhe da boca.

 

Porém, não era já mordaça:

 

-- Agora,

era um poema a queimar

os ouvidos das turbas inimigas

que, na praça, o tinham querido calar.

 

Sebastião da Gama

publicado por RAA às 15:54 | comentar | favorito

BARCOS

À querida ilha de São Vicente

de Cabo Verde.

 

       «Nha terra ê quel piquinino

       ê São Vicente ê quê di meu.»

 

Nas praias

Da minha infância

Morrem barcos

Desmantelados.

 

Fantasmas

De pescadores

Contrabandistas

Desaparecidos

Em qualquer vaga

Nem eu sei onde.

 

E eu sou a mesma

Tenho dez anos

Brinco na areia

Empunho os remos...

Canto e sorrio

À embarcação:

Para o mar!

É para o mar!...

 

E o pobre barco

O barco triste

Cansado e frio

Não se moveu...

 

Cambambe, 3 de maio de 1962

 

Yolanda Morazzo

publicado por RAA às 12:36 | comentar | favorito
28
Dez 11

QUANTO PUDERES

E se não podes fazer a tua vida como a queres,

pelo menos procura isto

quanto puderes: não a aviltes

na muita afinidade com o mundo,

nos muitos movimentos e conversas.

 

Não a aviltes, levando-a,

passeando-a frequentemente e expondo-a

em relações e convívios

da parvoíce do dia-a-dia,

até se tornar como uma estranha pesada.

 

Konstandinos Kavafis

 

(Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis)

publicado por RAA às 00:56 | comentar | favorito