31
Jan 12

ARMA SECRETA

Tenho uma arma secreta

ao serviço das nações.

Não tem carga nem espoleta

mas dispara em linha recta

mais longe que os foguetões.

 

Não é Júpiter, nem Thor,

nem Snark ou outros que tais.

É coisa muito melhor

que todo o vasto teor

dos Cabos Canaverais.

 

A potência destinada

às rotações da turbine

não vem da nafta queimada,

nem é de água oxigenada

nem de ergóis da furalina.

 

Erecta, na torre erguida,

em alerta permanente,

espera o sinal da partida.

Podia chamar-se VIDA.

Chama-se AMOR, simplesmente.

 

António Gedeão

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31
Jan 12

CINZEIRO

À noute quando escrevo

Tenho fantasias

Que não chego a escrever

Nem conto a ninguém.

 

Esta, por exemplo,

De ver um paquete

No meu cinzeiro

De feitio oblongo!

 

Ponho nele, de pé,

As pontas dos cigarros.

São mastros

E chaminés fumegantes...

 

Os fósforos

São carregamento

E a cinza

São as cinzas das fornalhas...

 

Deito nele

Pedacinhos de papel que eu rasgo,

-- Restos de algum poema...

São cartas para longe.

 

Voam à roda do meu cinzeiro

Pequeninos insectos tropicais,

Companheiros nocturnos

Dos poetas da minha terra.

 

São os pássaros marinhos,

As gaivotas,

Que vêm espreitar

De perto o paquete.

 

Empurro-o com a mão

E o paquete lá vai,

Com o rumo traçado

Através do Atlântico.

 

Lá vai!

Os passageiros da primeira

Passeiam no «deck»

Ou jogam o «bridge».

 

E a rapariga loura

Estira-se indolente

Na cadeira de lona

A ler um romance...

 

No convés da terceira classe,

Um emigrante qualquer

Debruçou-se na borda

Olhando o horizonte...

Sou eu.

 

Jorge Barbosa

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30
Jan 12

SONETO DE SEPARAÇÃO

De repente do riso fez-se o pranto

Silencioso e branco como a bruma

E das bocas unidas fez-se a espuma

E das mãos espalmadas fez-se o espanto.

 

De repente da calma fez-se o vento

Que dos olhos desfez a última chama

E da paixão fez-se o pressentimento

E do momento imóvel fez-se o drama.

 

De repente, não mais que de repente

Fez-se triste o que se fez amante

E de sòzinho o que se fez contente.

 

Fez-se do amigo próximo o distante

Fez-se da vida uma aventura errante

De repente, não mais que de repente.

 

Vinicius de Moraes

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30
Jan 12

...

Por uma cona assim eu perco o tino

e tudo o mais desamo que não faça

como rata em soneto de Aretino:

a um caralho dar frequente caça

 

porque essa cona tem da melhor raça

a traça que se diz «donaire fino»

se rosto fora ela e não conaça

onde o tesão divino toca o sino

 

com uma cona assim aquel'menino

Cupido troca as setas pela maça

martela meus colhões num desatino

que do Rossio ecoa até à Graça

 

ela é a melhor rata que dá caça

a este meu javardo de inquilino

 

Lisboa

28-XII-81

 

Fernando Assis Pacheco

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28
Jan 12
28
Jan 12

Hombres

autor: Paul Verlaine
título: Hombres
tradução: Luiza Neto Jorge
prefácio: Aníbal Fernandes
colecção: «Contramargem» #17
editora: & etc
local: Lisboa
ano: 1983
págs.: 28
dimensões: 21x16,2x0,1 cm. (brochado)
impressão: Minigráfica, Lisboa
tiragem: 1000
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27
Jan 12

...

Não é o eu fundamental

isso que busca o poeta,

mas o tu essencial.

 

Antonio Machado

 

(Jorge de Sena)

publicado por RAA às 17:22 | comentar | favorito
27
Jan 12

DERNIER VOEU

Voilà longtemps que je vous aime:

-- L'aveu remonte à dix-huit ans! --

Vous êtes rose, je suis blême;

J'ai les hivers, vous les printemps.

 

Des lilas blancs de cimetière

Près de mes tempes ont fleuri;

J'aurai bientôt la touffe entière

Pour ombrager mon front flétri.

 

Mon soleil pâli qui décline

Va disparaître à l'horizon.

Et sur la funèbre colline

Je vois ma dernière maison.

 

Oh! que de votre lèvre il tombe

Sur ma lèvre un tardif baiser,

Pour que je puisse dans ma tombe,

Le coeur tranquille, réposer!

 

Théophile Gautier

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26
Jan 12

NOME

algo é o nome do homem

coisa é o nome do homem

homem é o nome do cara

isso é o nome da coisa

cara é o nome do rosto

fome é o nome do moço

homem é o nome do troço

osso é o nome do fóssil

corpo é o nome do morto

homem é o nome do outro

 

Arnaldo Antunes

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26
Jan 12

TUDO O QUE O MEU PAI ME DISSE QUANDO, AOS 15 ANOS, DECLAREI EM FAMÍLIA QUE IRIA COMEÇAR A ESCREVER POESIA

«Antes

de te sentares

à mesa

lava bem

essas mãos.»

 

Luís Filipe Parrado

publicado por RAA às 12:47 | comentar | favorito
25
Jan 12
25
Jan 12

EPITÁFIO PARA UM PRESO

Feliz, o Homem!?

sim,

se, quando nasce,

em vez de braços

lhe crescessem asas...

 

Irmão das aves,

livre,

em céu aberto,

no tiro que o abatesse,

encontraria a glória

de morrer liberto!...

 

Armando Trindade

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