TARDE

Tão tarde apareceste

na minha solidão!

Onde estiveste

quando esperei por ti?... Talvez não esperasse, talvez não!

Nunca te adivinhei. Por isso hoje não tenho um só amor

que me bendiga.

Sou como aquelas árvores sem flor,

que mal estendem os seus braços, desoladas,

aos caminhantes cheios de fadiga;

ou como aquelas árvores de sombra amiga,

mas que florescem longe das estradas.

 

Não me dês teu afecto. Bem sei

que não mereço, porque não te esperei.

Põe nos meus olhos teu olhar.

Não sentes medo?

Vou dizer-te -- um terrível segredo:

Não sei amar!

Eu sou como o estouvado jardineiro

que ao vento arremessou as sementes formosas

das violetas, dos lírios e das rosas,

e nunca foi capaz de florir um canteiro...

Sou como o dementado mercador, que, um dia,

abriu a sua loja,

e da porta chamando toda a gente que passa,

dos bens que possuía

se despoja,

dando tudo de graça...

 

Minha vida, meu sonho, minha alma -- tudo o que eu tinha, dei.

Gastei o coração, que eu supusera infindo,

no amor em que, baldadamente, a tantas outras eu amei...

E quem és tu que vens agora?... Já te reconheci:

és aquela que nunca deveria ter vindo,

pois já não tenho nada

para ti.

 

Deixa-me só no teu regaço repousar

minha fronte cansada,

para chorar...

 

Amorim de Carvalho 

publicado por RAA às 16:05 | comentar | favorito