27
Fev 12

PARTIR!...

Eu vou-me embora para além do Tejo,

não posso mais ficar!

 

Já sei de cor os passos de cada dia,

na boca as mesmas palavras

batidas nos meus ouvidos...

-- Ai as desgraças humanas destas paisagens iguais!...

Abro os olhos e não vejo

já não ando, já não oiço...

Não posso mais...

Grita-me a Vida de longe

e eu vou-me embora para além do Tejo.

 

Passa a ave no céu bebendo azul e diz:    Vem!

O vento envolve-me numa carícia,

envolve-me e murmura: -- Vem!

As ondas estalam nas praias e vão mar fora,

as mãos de espuma a prender-me os sentidos

chamam no fundo dos meus olhos: -- Vem!

 

-- Camaradas, eu vou, esperai um pouco...

Ai, mas a vida nunca espera por ninguém...

E a noite chega vingadora;

o vento rasga-me o fato,

as ondas molham-me a carne

e a ave pia misticamente no ar;

abro os olhos e não vejo,

já não ando, já não oiço

-- e fico, desgraçado de ficar!...

 

Manuel da Fonseca

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27
Fev 12

OS MEDRONHEIROS

Nos braços verdes, nus,

pousou um bando,

verde, leve,

d'asas glaucas

anunciando

o ocaso do inverno,

Cavalgada de Niebelungos que no longe se perde.

 

No estio,

o arnês,

do sol

se desfez

num chuveiro 

d'oiro mole;

em cada gomo

-- um bago d'oiro

a tentar-me!

 

Quem me dera,

medronheiro,

como tu,

dar um fruto

que pudesse embriagar-me!

 

Escuto,

das seivas o corpo ébrio,

todo nu,

bailando no silêncio

rumoroso da floresta,

onde o vento canta

-- a eterna canção da gesta.

 

Os medronhos,

um a um,

vão caindo,

terminou o festim.

Nas taça, o vinho,

já tem sono,

já tem sonhos de mim.

 

E o outono,

pelo oiro do caminho,

vindo,

vem bailando

na dança-dos-véus,

dança das névoas.

 

Terminou o festim.

Principia a saturnália das folhas mortas.

 

António de Navarro

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