A FLOR E A FONTE
"Deixa-me, fonte!" dizia
a flor, tonta de terror.
E a fonte, sonora e fria,
cantava, levando a flor.
"Deixa-me, deixa-me, fonte!"
Dizia a flor a chorar:
"Eu fui nascida no monte...
Não me leves para o mar."
E a fonte, rápida e fria,
com um sussurro zombador,
por sobre a areia corria,
corria levando a flor.
"Ai, balanços do meu galho,
balanços do berço meu;
ai, claras gotas de orvalho
caídas do azul do céu!..."
Chorava a flor, e gemia,
branca, branca de terror,
e a fonte, sonora e fria,
rolava, levando a flor.
"Adeus, sombra das ramadas,
cantigas do rouxinol;
ai, festa das madrugadas,
doçuras do pôr do sol;
carícia das brisas leves
que abrem rasgões de luar...
Fonte, fonte, não me leves,
Não me leves para o mar!..."
As correntezas da vida
e os restos do meu amor
resvalam numa descida
como a da fonte e da flor...
Vicente de Carvalho