CHUVA OBLÍQUA (II)

Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,

E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça...

 

Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,

E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro...

 

O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes

Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar...

Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça

E sente-se chiar a água no facto de haver coro...

 

A missa é um automóvel que passa

Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste...

Súbito vento sacode em esplendor maior

A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo

Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe

Com o som de rodas de automóvel...

 

E apagam-se as luzes da igreja

Na chuva que cessa...

 

Fernando Pessoa

publicado por RAA às 23:49 | comentar | ver comentários (2) | favorito