28
Nov 12
28
Nov 12

POENTE

No postigo do «monte»

inquieto rosto acode

espreitando para longe

o descampado aberto.

 

(Quem vem lá na distância,

que nem a seara mexe

nem o pó se levanta

dos caminhos sem vento?...)

 

Manuel da Fonseca

publicado por RAA às 13:40 | comentar | favorito
26
Nov 12
26
Nov 12

VERSOS QUE EU FAÇO

Escrevo, muita vez, molhando a pena

no amargo fel da minha própria dor,

versos gritantes em que ponho em cena

fantasmas de ilusões, versos sem cor.

 

De rubro e negro, pela dor absortos,

como notas vibrantes de clarim,

finda a batalha, abençoando os mortos,

são os versos que eu faço para mim.

 

Mas outros há, rebeldes como potros,

onde a graça anda imersa, estua e ri,

feitos prò mundo rir, neles, dos outros,

quando, afinal, neles se ri de si.

 

Outros, que mal escrevo e andam dispersos

na voz-cristal das moças do lugar,

incontestavelmente os melhores versos

que faço, porque neles sei pintar

verdes de esperança, azuis de céu da calma

que dentro em nós sorri,

rubros de coração, vermelhos de alma,

esses que mal escrevo e andam dispersos

na voz-cristal do povo,

                                        são os versos

que eu faço para Ti!

 

                                                                                                                                                                                                      Outubro de 1937

 

                                                                                                                                                                                                                 Álvaro Feijó

publicado por RAA às 19:29 | comentar | favorito
23
Nov 12
23
Nov 12

VIDA

Após uma onda outra onda:

uma onda que se quebra

outra que se levanta...

Eterno e gasto

e sempre novo movimento das marés!

 

Joaquim Namorado

publicado por RAA às 19:02 | comentar | ver comentários (2) | favorito
21
Nov 12
21
Nov 12

"Fruto de sol na minha boca."

Fruto de sol na minha boca.

-- Terra tão vasta

e a vida tão pouca!

 

De Inverno e de Verão faça sol de Agosto.

-- Fruto na boca

deixou o seu gosto.

 

Assim deito meus olhos à flor do mundo.

Nem me peçam mais:

os lagos serenos têm menos fundo.

 

João José Cochofel

publicado por RAA às 13:47 | comentar | ver comentários (2) | favorito
19
Nov 12
19
Nov 12

CANTO DE BAR

Canta, cantor esquecido, tuas valsas de angústia!

 

Aqui o canto de bar,

onde vêm parar os que serão suicidas,

gente de todas as nações falando todas as línguas,

emigrados de todos os países.

Aqui o canto de bar

onde ancorou o jogador arruinado

e as mulheres que perderam o número dos amantes

e os moços que sonharm vidas que não puderam ter.

Onde cantores esquecidos cantam valsas lentas e antigas

que trazem a recordação de lares despedaçados.

Onde vieram parar os maltrapilhos perdidos para sempre

e onde as valsas cantadas por vozes arrastadas,

que lembram multidões de coisas,

já não trazem a mínima saudade.

Aqui onde se sabe indiferentemente

que o homem saído há pouco

estendeu a corda e se enforcou na escada.

Aqui onde se joga tudo sem interesse

porque já não há nada para jogar.

É o canto soturno

onde não entra sol nem lua.

Janelas fechadas, só fumo e luz vermelha.,

mulheres de todas as raças de cabelos degrenhados.

Aqui o canto de bar

onde veio parar o lixo de todas as nações.

(Todos que estavam a mais nas cidades e nos lares...)

 

Canta, cantor esquecido, tuas valsas de angústia!

 

Mário Dionísio

publicado por RAA às 19:37 | comentar | favorito
17
Nov 12
17
Nov 12

AS DESENCANTADAS

É belo ver brincarem as crianças!
É belo ver cantarem as raparigas!
Esparzindo alegrias e esperanças,
Desfolhando os amores em cantigas!

É belo ver, em tardes vitoriosas,
Os poetas, os heróis, os combatentes,
Sob as chuvas das pétalas de rosas,
Sob aplausos contínuos e frementes!

É belo ver as mães enamoradas!
É belo ver os sábios entretidos!
Por milhares de seres adoradas!
Por milhares de seres benqueridos!

Mas o que há de mais íntimo e profundo,
E mais consola o coração humano,
Sim, o que há de mais belo! é, neste mundo,
Ver um punhal no peito de um tirano!


Martins Fontes

publicado por RAA às 00:45 | comentar | favorito