02
Jan 13
02
Jan 13

VELHICE

depois de todas as tragédias

que resta para viver?

uma rotina doméstica

um amor tequila

uma paisagem ecstazy

uma praia de cães histéricos

recordações rememoradas vezes sem conta

por velhos amigos saudosistas relapsos e frouxos

em esplanadas com vistas para gajas que nos fodem os miolos

e depois? ah os aniversários, as festas e as comemorações banais

os casamentos acabados bestialmente em cornos bestiais

os eventos privados de suites bacanais

swings sodomitas e escapadelas amantes

as saídas de emergência apressadas de armários e guarda-fatos

fruto de longas insónias meditadas à mesinha de cabeceira

ou na net puta toda a tua imaginação rameira

deram lugar a distintos funerais e divórcios da vida

um dia estaremos impávidos e serenos na nossa missa de

corpo-presente

espreitando o sorriso do nosso cadáver triste

inaceitável e incrível: mas fica mal faltar, compreendes?

 

Dinis H. G. Nunes

(Sulscrito #10)

publicado por RAA às 13:25 | comentar | favorito
01
Jan 13
01
Jan 13

LAS COSAS

El bastón, las monedas, el llavero,

la dócil, serradura, las tardias

notas que no leerán los pocos días

que me quedan, los naipes y el tablero,

un libro y en sus páginas la ajada

violeta, monumento de una tarde

sin duda inolvidable y ya olvidada,

el rojo espejo occidental en que arde

una ilusoria aurora. Cuántas cosas,

limas, umbrales, atlas, copas, clavos,

nos sirven como tácitos esclavos,

ciegas y estrañamente sigilosas!

Durarán más allá de nuestro olvido;

no sabrán nunca que nos hemos ido.

 

Jorge Luis Borges

 

 

AS COISAS

 

A bengala, as moedas e o chaveiro

a dócil fechadura, as tardias

notas que não lerão os poucos dias

que me restam, as cartas e o tabuleiro

um livro e nas suas páginas a fenecida

violeta, monumento de uma tarde

por certo inesquecível, já esquecida,

o rubro espelho ocidental em que arde

uma ilusória aurora. Quantas coisas,

limas, umbrais, atlas, copos, cravos

nos servem como tácitos escravos,

cegas e estranhamente sigilosas!

Durarão para além do nosso olvido;

nunca saberão que teremos partido.

 

(Marta Vilhena)

 

O Escritor # 11/12, Dezembro de 1998

publicado por RAA às 00:01 | comentar | favorito