28
Fev 13
28
Fev 13

A PRIMEIRA NEVE

E depois, tão antiga a neve.

Só o lume a podia trazer

da fundura dos dias

 

a esta casa. Brancura estendida

em páginas lidas

a outra luz, dentro do sono.

 

Quase sem peso, sem nenhum

ruído -- vinda de outros céus,

outros caminhos.

 

A primeira neve. E tão antiga.

 

Foz do Douro, 13.2.97

 

Eugénio de Andrade

(in Relâmpago #2)

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26
Fev 13
26
Fev 13

ÉCLOGA OU CANÇÃO ABANDONADA

Na folha bailada

Levada

No vento,

Vai meu pensamento...

 

Na cinza delida

Espargida

Pelo rio,

Vai meu olhar frio...

 

E no teu sorriso

Da mais lisa

Quietação...

O meu coração...

 

Cristovam Pavia

Boletim Cultural do Serviço de Bibliotecas

Fixas e Itinerantes da F.C.G., VI série #11 --

As Folhas de Poesia Távola Redonda

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25
Fev 13
25
Fev 13

À MA FILLE ADÈLE

Tout enfant, tu dormais près de moi, rose et fraîche

Comme un petit Jésus accroupi dans la crèche;

Ton pur sommeil était si calme et si charmant

Que tu n'entendais pas l'oiseau chanter dans l'ombre;

Moi, pensif, j'aspirais la douceur sombre

Du mystérieux firmament.

 

Et j'écoutais voler sur ta tête les anges

Et je te regradais dormir; et sur tes langes

J'effeuillais des jasmins et des oillets sans bruit;

Et je priais, veillant sur tes paupières closes;

Et mes yeux se mouillaeint de pleurs, songeant aux choses

Qui nous attendent dans la nuit.

 

Un jour mon tour viendra de dormir, et ma couche,

Faite d'ombre, sera si morne et si farouche

Qui je n'entendrai pas non plus chanter l'oiseau;

Et la nuit sera noire; alors, ô ma colombe,

Larmes, prières et fleurs, tu rendras à ma tombe

Ce que j'ai fait pour ton berceau.

 

Victor Hugo

(in Pierre Ripert,

Dictionnaire Anthologique

de la Poésie Française

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24
Fev 13
24
Fev 13

DESNUDECES

Desnuda una mujer vale la pena

cuando la contemplamos a distancia

porque después / si estamos sobre ella

sólo la vemos con la boca ansiosa

 

una mujer desnuda es un silencio

que no admite pudor ni violaciones

un silencio a menudo tembloroso

de tanto amor y tanta profecia

 

una mujer desnuda tiene normas

puede dejarse amar con toda el alma

con todo el cuerpo a veces / pero nunca

con el arte de besos fariseos

 

Mario Benedetti

El Mundo que Respiro / Inventario Tres

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21
Fev 13
21
Fev 13

CANTIGA DE EMBALAR

Faz ó-ó meu pequenino

-- Anda lá fora um rumor...

Voz do mar ou voz do vento?!

Faz ó-ó...

-- Seja quem for!

 

Vejo as estrelas brilhando

Através dessa vidraça.

Sinto-me triste, mais só...

E a minha voz vai cantando

-- Ó-ó... Ó-ó

 

António Botto

(in Maria de Lourdes Varanda & Maria Manuel Santos,

Poetas de Hoje e de Ontem -- Do Século XIII ao XXI -- Para os Mais Novos)

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20
Fev 13
20
Fev 13

...

Vive para sempre o homem de saber

Ainda quando, após a morte,

Na terra em pó seu corpo se volver...

O néscio, esse, é sempre um morto

Que mesmo se segue caminhando

Muito embora aparentando vida

Não é senão um corpo vegetando.

 

Ibn As-Sid

(in Adalberto Alves, O Meu Coração É Árabe)

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18
Fev 13
18
Fev 13

"Anjo da infância"

Anjo da infância,

Coroado de rosas purpurinas!

Aquele que nos vela o nascimento

E que nos embala o berço...

E, coroado,

De lírios roxos,

Há-de velar a nossa morte

E, à luz da lua, o nosso túmulo,

Pois morrer não é mais do que voltar

A antes de nascer...

 

Teixeira de Pascoaes

 

sc. 1952

S. J. de Gatão

(in Estrada Larga, vol. 1)

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14
Fev 13
14
Fev 13

AMÉRICA

IV

 

Mas quando chegares a New Orleans

olha para os meus dentes teclas

de jazz,

minhas pernas múltiplas

de jazz,

minha cólera ébria

de jazz,

olha os mercadores da minha pele,

olha os matadores ianques

pedindo-me

jazz,

one

       two

             three

jazz,

sobre o meu sangue,

jazz,

milhões de palmas para mim

jazz.

 

Manuel Lima

(in Manuel Ferreira, No Reino de Caliban II)

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13
Fev 13
13
Fev 13

CANÇÃO DE NHA CHICA

Nha Chica mulher rija

sete filhos para criar

perdeu seu marido no mar

 

Andou mexeu vendeu

carregou e criou

seus filhos-de-parida

 

Os filhos cresceram

voltaram patrões

com suor de Nha Chica

 

Faltou força e catchupa

seu xaile e seu lenço

sua vida de outrora

 

Voltou pedinte

de sábado-maria-santíssima

das ruas da cidade

 

Depois, perdida no esquecimento

foram quatro homens

e um caixão d'Igreja

 

Nha Chica mulher rija

com sua sina cumprida

morreu sorrindo...

 

Armando Lima Jr.

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12
Fev 13
12
Fev 13

SUB ROSA

para o Herberto Helder

 

Não somos os últimos, pois se

há coisa que o mundo sempre fez bem

foi acabar. De novo e sempre: acabar.

 

Mas já não trabalhamos com o ouro

e temos um certo pudor tardio

em falar de deus, do amor ou até do corpo.

 

As metáforas arrefecem, talvez contrariadas.

São casas devolutas, mães risonhas

ou sombrias cujo grito deixámos de escutar.

 

Do lixo, porém, temos um vasto

e inútil conhecimento. Possa

ele servir de rosa triste aos

que não cantam sequer, por delicadeza.

 

Manuel de Freitas

(escolha de J. A. Oliveira, J. T. Mendonça e L. M. Queirós,

Resumo -- A Poesia em 2009

 

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