07
Jun 13

SONETO XXIII

De esquivo amor cristal translúcido perdura,

que, em se mudando, é sempre a mesma a cousa amada.

Com argila de luz eu a moldei criatura,

fazendo-me a seguir, na forma por mim criada.

O mundo, ele me dá de comer -- e devora-me.

Piso-o pisando a morte, e por mais que o reinvente,

o mundo é sempre o mesmo... Esta a razão, senhora,

de em minha voz alguém se rir tràgicamente.

Vezes e vezes junto a ilusórios portões

eu clamei, mas se alguém respondia de dentro,

a vida me barrava a entrada em seus salões.

A vida é sempre a mesma -- e a morte rói-lhe o centro.

      Neste árido jardim a minha sede é tanta,

      que sempre há-de romper-se a grade da garganta.

 

Afonso Félix de Sousa,

in José Valle de Figueiredo,Antologia da Poesia Brasileira

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07
Jun 13

POESIA DEPOIS DA CHUVA

Depois da chuva o Sol -- a graça.

Oh! a terra molhada iluminada!

E os regos de água atravessando a praça

-- luz a fluir, num fluir imperceptível quase.

 

Canta, contente, um pássaro qualquer.

Logo a seguir, nos ramos nus, esvoaça.

O fundo é branco -- cal fresquinha no casario da praça.

Guizos, rodas rodando, vozes claras no ar.

 

Tão alegre este Sol! Há Deus. (Tivera-O eu negado

antes do Sol, não duvidava agora.)

Ó Tarde virgem, Senhora Aparecida! Ó Tarde igual

às manhãs do princípio!

 

E tu passaste, flor dos olhos pretos que eu admiro.

Grácil, tão grácil!... Pura imagem da Tarde...

Flor levada nas águas, mansamente...

 

(Fluía a luz, num fluir imperceptível quase...)

 

Sebastião da Gama,

Pelo Sonho É que Vamos

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