BERNAUER STRASSE
para Mariet Meester
Fomos os dois em busca de vestígios
entre terrenos maninhos, guindastes,
prédios devolutos, sinais de um tempo
que recebia essa memória a esfarelar-se
sob a fúria que avança, imobiliária.
Seguíamos o que nos arabescos de arame
farpado, podia ter sido, quem sabe,
uma linha telegráfica e fora só um quebra-mar
onde deter-se o vazamento e a fuga
de muitos na escolha de um destino.
A alma encordoada, de quarentena,
isolada por um cordão sanitário
24 horas de guarda à tentação de saltar --
lugar para aramistas se lançarem
em pleno voo na cerca viva.
Neste tempo em que de novo conflui
cada ovelha com sua parelha,
fomos tomando o pulso a uma cidade
dividida em partes iguais pela mesma rua,
vendo como o outro lado também era
uma tela de pintura primitiva,
longa tatuagem com dizeres sibilinos
por onde subia uma vaga vegetação psicadélica
em parietárias coloridas. Até descobrirmos
numa brecha um cemitério sob a folhagem
com as cruzes de acerto que na morte
vão juntando aquilo que o tempo apartou.
Paulo Teixeira,
O Anel do Poço / Resumo -- A Poesia em 2009