29
Nov 13
29
Nov 13

JE VIS JE MEURS...

Je vis je meurs; je me brûle et me noie.

J'ai chaud extrême en endurant froidure;

La vie m'est trop molle et trop dure,

J'ai grands ennuis entremêlés de joie;

 

Tout à coup je ris et je larmoie,

Et en plaisir maint grief tourment j'endure;

Mon bien s'en va, et à jamais il dure;

Tout en un coup je sèche et je verdoie.

 

Ainsi Amour incostamment me mène;

Et, quand je pense avoir plus de douleur,

Sans y penser je me trouve hors de peine.

 

Puis, quand je crois ma joie être certaine,

Et être en haut de mon désiré heur,

Il me remet en mon premier malheur.

 

Louise Labé

in Pierre Ripert,

Dictionnaire Anthologique de la Poésie Française

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27
Nov 13
27
Nov 13

ANDANTE

Acolhei-me se sois também de sonho

que venho de estranheza e sonhos vários

-- um mundo cismas encimando os ombros

e sob os pés países insonhados.

 

Qu dá ritmo a meu vir, move meus passos

pelas ruas destino vivo-e-morro?

Que me desvive e perde entre fachadas,

casas indiferentes feito rostos

 

de isentos rasgos e de ausentes almas?

Que me impele de passo, à casa, à sombra

tão-só afim às outras no ar fechado?

 

Ouço-a (ou me ouço?) respirar. Que há sons

de um coração arquejo e descompasso

transpirando metais, cordas e sopros.

 

Stella Leonardos,

inJosé Valle de Figueiredo,

Antologia da Poesia Brasileira(s.d.)

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26
Nov 13
26
Nov 13

A CAÇA

Vive longe, para além das muralhas da cidade.

       Suas mãos jamais seguraram um livro,

sabe apenas caçar, é ágil e valente.

       Monta um possante cavalo das estepes

e, no Outono, parte orgulhoso à desfilada,

       seu chicote dourado roça a neve, estala no ar,

ele grita ao falcão e parte à aventura.

       Seu arco, uma meia-lua, jamais falha o alvo,

abate dois grous com una só flecha.

       Quem o vê circundar o lago, afasta-se receoso,

sua reputação inspira temor nos confins do deserto.

       Para quê envelhecer entre os livros da biblioteca?

Os letrados não valem o bravo nómada da planície.

 

Poemas de Li Bai

(versão de António Graça de Abreu)

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25
Nov 13
25
Nov 13

"Sou eu quem anda esta noite"

Sou eu quem anda esta noite,

pelo meu quarto, ou o mendigo

que rondava o meu jardim

ao cair da tarde?...

Fito

tudo em redor e encontro

que o mesmo é, mas distinto...

A janela estava aberta?

Eu não tinha adormecido?

O jardim não estava verde

de luar?... E o céu límpido

e azul... Há vento e nuvens

no jardim ora sombrio...

A minha barba era negra...

De claro eu estava vestido...

Minha barba agora é branca,

estou de luto. Vai comigo

meu andar? Tem esta voz

que ressoa em mim os ritmos

da voz que eu tinha?

Sou eu, ou sou o mendigo

que rondava o meu jardim

ao cair da tarde?...

Fito

em redor... Há vento e nuvens...

O jardim está sombrio...

 

...E vou e venho... É que eu

não havia adormecido?

A barba está branca... E tudo

é o mesmo e é distinto...

 

Juan Ramón Jimenez,

Antologia Poética

trad: José Bento

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21
Nov 13
21
Nov 13

"Para além da Terra, para além do Infinito"

Para além da Terra, para além do Infinito,

eu procurava avistar o Céu e o Inferno.

Uma voz solene disse-me

«O Céu e o Inferno estão dentro de ti.»

 

Omar Khayyam

Rubaiyat -- Odes ao Vinho

(versão de Fernando Castro)

publicado por RAA às 13:46 | comentar | favorito
20
Nov 13
20
Nov 13

"Paguei a conta da viagem grátis"

Paguei a conta da viagem grátis

anos depois

a prestações com juros agravados

quando era já difícil recordar

para onde vim

e ao que vinha quando aqui cheguei.

 

Não sobra nunca muito a quem só chega

nem o regresso

que seria outro chegar ao não-lugar

que só existe no se ter deixado

e assim ficou

como um jardim coberto em selva escura.

 

Tenho ainda o recibo e a mala velha

onde trazia

o guia de turismo traduzido

da língua original que já esqueci

ou nunca soube

noutra língua também desconhecida.

 

Helder Macedo,

Viagem de Inverno

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14
Nov 13
14
Nov 13

CANÇÃO DUMA SOMBRA

Ah, se não fosse a névoa da manhã

E a velhinha, para ouvir a voz das cousas,

                    Eu não era o que sou.

 

Se não fosse esta fonte, que chorava,

E como nós cantava e que secou...

E este sol que eu comungo de joelhos,

                     Eu não era o que sou.

 

Ah, se não fosse este luar, que chama

Os espectros à vida e se inflitrou,

Como fluido mágico, em meu ser,

                    Eu não era o que sou.

 

Ah, se não fosse o vento, que embalou

Meu coração e as nuvens, nos seus braços,

                    Eu não era o que sou.

 

Sem esta terra funda e fundo rio,

Que ergue as asas e sobe, em claro voo;

Sem estes ermos montes e arvoredos,

                    Eu não era o que sou.

 

Teixeira de Pascoais,

/ Antologia Poética

(edição de Ilídio Sardoeira)

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12
Nov 13
12
Nov 13

Memórias do Contencioso

 
autor: Fernando Assis Pacheco (Coimbra, 1.II.1937 -- Lisboa, 30.XI.1995)
título: Memórias do Contencioso
colecção: «Reportório de Cegos» #1
editora: Heptágono
local: Lisboa
ano: 1976
págs.: 8
dimensões:2,4x14,5xo,1 cm. (brochado)
impressão: J. J. Magalhães, Lisboa
publicado por RAA às 17:45 | comentar | favorito
07
Nov 13
07
Nov 13

LUZ! Ó MINHA LUZ!

Luz! Ó minha Luz!

Luz que enches o mundo,

Que beijas os meus olhos,

Doiras meu coração!

 

Ah! A Luz baila, a Luz baila, ó Bem-Amada,

No coração da própria Vida,

Faz vibrar, ressoar, -- aleluia! --

               A harpa do meu amor.

 

O céu acorda, o vento corre,

               A terra abre-se em risos,

A borboleta solta as velas irisadas

                No mar de Luz!

E os lírios e os jasmins,

-- Espuma alvente, --

Vão na crista das ondas!...

 

Luz, -- minha Luz!

Ó Luz que enches o Mundo,

Florindo cada nuvem

De oiro e de pedrarias!

 

As folhas da floresta

Respiram alegria,

Um infinito júbilo,

               Vindo de Deus... -- O Rio

               Do céu transborda, alaga o mundo

Em ondas de alegria.

 

-- Ó Luz, -- ó minha Luz!

 

Poesias de Tagore (1939)

versão de Augusto Casimiro 

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04
Nov 13
04
Nov 13

"Quem eu louvo tem a timidez"

Quem eu louvo tem a timidez

Que é própria de alto nascimento

Baixa os olhos diante dos humildes

Mas diante dos nobres faz sustento.

 

O seu mérito é água das minas

Que pronto torna verdes as colinas.

A sua equidade é como o fulgor

De estrelas no horizonte espalhando cor.

 

Graças a ti meus sonhos se cumpriram

Um a um no campo do desejo.

Que a tua vida possa ser bem longa

É o meu voto e tudo quanto almejo.

 

Ibn Al-Wakil

inAdalberto Alves,

O Meu Coração É Árabe (1987)

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