TESTAMENTO
para ti minha mãe pudica mulher do povo
percal de energia em nossa casa
mais que mãe companheira
mais que companheira anjo da guarda
teço na lira uma oração de linho
tão puro e branco como o teu amor
e para ti meu pai que andaste por verdes pinheirais
e deles me legaste o puro ar
a quietude da ramagem
a mansa caruma
e o tronco casa de pobre lareira de inverno
componho os sons duma canção com sabor de lenha
que alguém um dia nos campos cantará
para vós irmãos meus camaradas
que comigo procuram uma estrela
sem nunca a encontrar
mas sem desistências traições ou a palavra medo
dentro dos corações ainda a esperam
e comigo continuam
ofereço meu hálito quando jovem
beijava os pés dos camponeses
únicos santos que venero
e para os inimigos ou simplesmente aqueles
que duvidaram da foice que enterrei nesta seara
desde o bago à esperança que inteira permanece
lego o retrato alentejano de meus filhos
que são dois:
o josé
e a ana.
Eduardo Olímpio
Cadernos Despertar #1 (1982)