MORNA
É já saudade a vela, além.
Serena, a música esvoaça
na tarde calma, plúmbea, baça,
onde a tristeza se contém.
Os pares deslizam embrulhados
de sonhos em dobras inefáveis.
(Ó deuses lúbricos, ousáveis
erguer então, na tarde morta
a eterna ronda de pecados
que ia bater de porta em porta!)
E ao ritmo túmido do canto
na solidão rubra da messe,
deixo correr o sal e o pranto
-- subtil e magoado encanto
que o rosto núbil me envelhece.
Daniel Filipe, A Ilha e a Solidão,
in Manuel Ferreira, No Reino de Caliban I