NOÉ

Pronto, pronto, eu faço. Dá um trabalhão

mas faço. Corto madeira, arranjo pregos,

gasto o martelo. E o pior também:

correr o mundo a recolher os bichos, 

coisas de nada como formigas magras,

e os outros, os grandes, os que mordem

e rugem. E sei lá quanto são!

Em que assados me pões. Tu

gastaste seis dias, e eu nunca mais cabo.

Andar por esse mundo, a pé enxuto ainda,

a escolher os melhores, os de melhor saúde,

que o mundo que tu queres não há-de nascer torto.

Um por um, e por uma, é claro, é aos pares

-- o espaço que isso ocupa.

 

Mas não é ser carpinteiro,

não é ser caminheiro,

não é ser marinheiro o que mais me inquieta.

Nem é poder esquecer

a pulga, o ornitorrinco.

O que mais me inquieta, Senhor, 

é não ter a certeza,

ou mais ter a certeza de não valer a pena,

é partir já vencido para outro mundo igual.

 

Pedro Tamen, Analogia e Dedos

publicado por RAA às 08:44 | comentar | favorito (1)