SONETO

Fecham-se os dedos donde corre a esperança,

Toldam-se os olhos donde corre a vida.

Porquê esperar, porquê, se não se alcança

Mais do que a angústia que nos é devida?

 

Antes aproveitar a nossa herança

De intenções e palavras proibidas.

Antes rirmos do anjo, cuja lança

Nos expulsa da terra prometida.

 

Antes sofrer a raiva e o sarcasmo,

Antes o olhar que peca, a mão que rouba,

O gesto que estrangula, a voz que grita.

 

Antes viver dos que morrer no pasmo

Do nada que nos surge e nos devora,

Do monstro que inventámos e nos fita.

 

José Carlos Ary dos Santos,

Liturgia do Sangue / Obra Poética

publicado por RAA às 23:23 | comentar | favorito