ROMANCE

Por noite velha, truz truz,

Bateram à minha porta.

-- De onde vens, ó minha alma?

-- Venho morta, quase morta.

Já eu mal a conhecia,

De tão mudada que vinha;

Trazia todas quebradas

Suas asas de andorinha.

Mandei-lhe fazer a ceia,

Do melhor manjar que havia.

-- De onde vens, ó minha alma,

Que já mal te conhecia?

Mas a minha alma, calada,

Olhava e eu não respondia;

E nos seus formosos olhos

Quantas tristezas havia!

Mandei-lhe fazer a cama

Da melhor roupa que tinha

«Por cima damasco roxo

Por baixo cambraia fina».

-- Dorme, dorme ó minha alma,

Dorme e, para te embalar,

A boca me está cantando

Com vontade de chorar.

 

Afonso Lopes Vieira, Ilhas de Bruma (1917) /

/ Cabral do nascimento, Líricas Portuguesas. 2.ª séria)

publicado por RAA às 23:50 | comentar | favorito (1)