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Abr 17
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Abr 17

"o copo sobre a mesa"

o copo sobre a mesa

transparente

para ser cheio

da tua vida

espessa até ao cimo

 

Fernando Assis Pacheco, Memórias do Contencioso (1976)

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05
Abr 17
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Abr 17

...

«O que os poemas querem dizer, só eles sabem o que querem dizer.»

António Carlos Cortez, «Herberto Helder -- O nome mais obscuro»
JL-Jornal de Letras, Arte e Ideias,
Lisboa, 29 de Maio de 2013
publicado por RAA às 18:45 | comentar | favorito
04
Abr 17
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Abr 17

A QUEDA

E eu que sou o rei de toda esta incoerência,
Eu próprio turbilhão, anseio por fixá-la
E giro até partir... Mas tudo me resvala
Em bruma e sonolência.

Se acaso em minhas mãos fica um pedaço de oiro,
Volve-se logo falso... ao longe o arremesso...
Eu morro de desdém em frente dum tesoiro,
Morro à míngua, de excesso.

Alteio-me na cor à força de quebranto,
Estendo os braços de alma -- e nem um espasmo venço!...
Peneiro-me na sombra -- em nada me condenso...
Agonias de luz eu vibro ainda entanto.

Não me pude vencer, mas posso-me esmagar,
-- Vencer às vezes é o mesmo que tombar --
E como ainda sou luz, num grande retrocesso,
Em raivas ideais ascendo até ao fim:
Olho do alto o gelo, ao gelo me arremesso...

................................................................................................

Tombei...
E fico só esmagado sobre mim!...


Mário de Sá-Carneiro, Dispersão (1914) /
Poemas Escolhidos (edição de Clara Rocha, s.d.)
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03
Abr 17
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Abr 17

METODOLOGIA

Convoco os duendes da inquietação
e da alegria, urdindo um laborioso
rito circular, delicada teia iridiscente
de que, relutante, a luz se vá
pouco a pouco enamorando.

Palavras não as profiro
sem que antes as tenha encantado
de vagarosa ternura; mal esboçados,
gestos ou afagos, apenas me afloram
a hesitante extremidade dos dedos

que, aquáticos e transidos, estacam
no limiar surpreso do seu rosto.
Movimentos longos da tarde
e sussurros graves da noite
quer tendessem para a imobilidade

e o silêncio, não seriam mais cautos
e aéreos. Quietas estátuas de cristal,
intensamente nos fitamos, enquanto
trémula, lenta e comburente,
a luz mais pura nos atravessa.

Rui Knopfli, O Corpo de Atena (1984)
publicado por RAA às 18:12 | comentar | favorito (1)
02
Abr 17
02
Abr 17

"Se a morte fosse uma casa branca"

Se a morte fosse uma casa branca

e eu tivesse uma palavra breve e obscura.

Se a morte fosse um sono tão leve

que o murmúrio do vento a deixasse enlouquecida.

Se a morte fosse o instante entre o ir e voltar

uma pedra redonda e frágil atirada ao sono

do mundo.

Reunia os meus mortos, falava-lhes da sombra

que habita nas coisas

das malvas rodeando o poço.

Talvez a música do vento nos salgueiros

ou a canção das abelhas ardesse

intacta por dentro das palavras.

 

Fernando Jorge Fabião, Na Orla da Tinta (2001)

publicado por RAA às 16:19 | comentar | favorito (1)