NA ESPALANADA DO MUSEU MARÍTIMO

Como este rio que parece dividir

dois métodos de arrumar a orfandade

de prédios acabrunhados e barracões

de ripas desalinhavadas, os solavancos

nas frases que se queriam mais escorreitas.

 

Um porta-contentores lança ferro,

liga os motores da ré e roda lentamente.

Os fumos do gasóleo espalham-se sobre um cardume

de ramos de palmeira que navega para a foz:

rio acima haverá quem se debruce

sobre o que lhe resta da tarde e peça

garantias ao que lhe tropeçou na infância

 

-- que mal recorda e em que, com algum esforço,

tenta acreditar. Outro neófito

da solidão, rendido à correnteza.

Antes do jantar, tem um par de horas

para ruminar o salitre da impermanência,

humores linfáticos. Regressará a casa,

esquecendo ser o que tem feito sempre.

 

José Alberto Oliveira, Mais Tarde (2003)

publicado por RAA às 13:52 | comentar | favorito