12
Mar 18
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Mar 18

MORTE E TRANSFIGURAÇÃO

Cinzas, vergões, renúncias, cicatrizes,

Laceram-nos a esperança, mas dão outra.

Essa em que a dor nos faz criar raízes,

Árvore e fruto duma seiva nova.

 

Dos abismos da ira levantamos

As vozes, os protestos e as trombetas.

Só nos ouvimos quando nos calamos

E em vez de arautos nos tornamos poetas.

 

Cantores das coisas que nos doem, magos

Da nossa angústia, frémito das águas

Onde nos debruçamos, onde nós,

 

Narcisos do que é grande e impossível,

Nos transformamos por amor da voz

Enquanto a imagem nos parece inútil.

 

José Carlos Ary dos Santos, A Liturgia do Sangue (1963)

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06
Mar 18
06
Mar 18

REVELAÇÃO

A inocência perpassa --

Teu rosto

Sóbrio

Na memória

 

As intermináveis

Conversas

No café

Vistas através

Do vidro do tempo

São agora transparentes

 

A ausência do teu rosto

É uma presença

Onde inesperada

Perpassa rápida

E muito lenta

A graça

Da inocência

 

Boston

19 de Agosto 90

 

Alberto de Lacerda, Átrio (1997)

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02
Mar 18
02
Mar 18

"Morre na bainha aquela espada,"

Morre na bainha aquela espada,

Com saudade de ser empunhada pela mão

E a lança sofre por não ser usada

Se o meu braço a não sacia então.

 

Também o corcel sonha com a bocada

Se, arrogante, na emboscada espera.

O cavaleiro é um ávido leão:

Pastando com a presa está a fera.

 

Al-Mu'tamid,

in Adalberto Alves, Portugal na Espanha Árabe (1987)

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