'ALLARGANDO'
A água até ao rosto, as mãos em concha,
olhavas o abraço furioso da corrente,
e nele o teu reflexo, em busca
do lugar de travessia mais seguro.
Quem és tu e onde estiveste a vida toda?
Sob a copa de amieiros, na penumbra,
ansiavas de repente por escrever tudo aquilo
que devia já ter escrito há muito tempo.
E contudo tinhas poucas opções.
Tão difícil chegar às palavras certas.
Nem sempre um homem pode
escolher quem é, regressar a casa
através das montanhas, encontrar o seu canto,
dedicar-se um bocadinho às sensações
que requerem silêncio e solidão.
Vítor Nogueira, Cantochão (2017)