QUEM ESPERA?

Quem espera ser atingido pelo momento

em que, debaixo de uma figueira,

a relojoaria do mundo fica, sem aviso,

iluminada, e os andaimes da existência

se ajustam aos desígnios que, desde sempre,

suspeitou estarem-lhe reservados?

 

Uma tarde que outra (e os dias passam)

há percalços que nos traem,

heranças de que nos sabemos privados,

uma exaltação que se torna incómoda,

por causas que seria preferível ignorar

 

-- há um pedaço de terra ou a meia

hora em que poderíamos ter decidido

ser justos, uma voz

que nos falta, quantas vezes

arrastada pelo vento, com pólen, poeira,

folhas secas, ramos torcidos,

 

dela só ouvimos o rasto

que a revela humana, sem entender

as palavras. De onde chega? Para onde

parte? De um lado, o corpo

gasto, as solas rotas, do outro,

o fim das estradas, o arrepio da chuva,

 

a lama seca nas gretas dos pés.

Quem canta afunda-se em amargura,

berra, protesta que não há razões

(nem o direito) de negar aos outros

a miséria que nos assiste.

 

 

José Alberto Oliveira

publicado por RAA às 23:59 | comentar | favorito