22
Mar 13

-trinta dinheiros

faço parte de um todo

que não escreve em vão

talvez seja a única certeza que tenho

sou o verso de um poema convocado

pela tentação dos deuses

a um encontro final

a outra parte submerge

algures no universo das folhas caducas

onde cada um de nós é a pata de uma aranha secular

fazendo da palavra a teia

onde se inserem as constelações/poemas

as páginas/sonhos

as armas/revoluções

os cães democratas e

o riso abaerto das noites

capazes de passar incólumes

à memória absurda dos especialistas

de portas escancaradas à compra

 

trinta dinheiros - é comprar!

 

vomito

 

somos

-os alquimistas que se ousam

em pontos finais e vírgulas

em lombadas de livros

em palavras e páginas azuis e

 

cujas gargalhadas não constam de acordos

 

-crianças velhas que

exigem palavras novas ou

loucos insurrectos prenhes de poemas virgens

 

Gabriela Rocha Martins

Sulscrito #3

publicado por RAA às 13:35 | comentar | favorito
03
Jul 12

TUDO

Um poema

quase sem palavras

Um esquema

de indefenidos traços

O ecoar de um som

talvez nunca vibrado.

 

Um retrato

feito com o nada disto,

com tudo isto.

 

Saul Dias

publicado por RAA às 16:55 | comentar | favorito
24
Jan 12

VENDETA

Um verso escapa

Descaradamente

Do poema que escrevo.

 

Um rumor longínquo

Segreda-me

Que ele espezinha

Os companheiros

Da minha caravana.

 

De repente

Ele projecta-se

No «écran» do meu espanto

Com garras e lábios

Manchados de sangue.

 

Nos meus olhos há imagens feridas.

E numa voz cortante

Blasfema

 

Sou a dor

       o sangue

       a vítima

Dos teus crimes impunes!

Vingo-te à minha maneira.

 

Renego-te

Renegado!...

 

Corsino Fortes

publicado por RAA às 15:22 | comentar | favorito
10
Jan 12

de QUARTAS MORADAS

O múltiplo sentido das permutações

do tempo que o poema permite

assombra. Uma sequência de imagens

simples, e finalmente convencionais,

a rápida sucessão das unidades dinâmicas do verbo,

combina as três perspectivas

 

que os filósofos dizem do eterno, do instante, e

do perene. A terra mesma se transforma,

a sombra das nuvens ao voar sobre as casas

dá repouso e abrigo à obra das nossas mãos.

Passam os anos como os dias, o dia de agora

é inteiro e completo como outrora.

 

Lendo, já sei, talvez nada aconteça:

vento nas folhas, água, uma estrela que cai.

Comendo a sopa quente diante da tv

a ordem da história e da sociedade não está

prevista no menu. Ainda assim são estas imagens voláteis

a razão do poema, enquanto dura o sol.

 

António Franco Alexandre

publicado por RAA às 14:27 | comentar | favorito
05
Jan 12

QUANDO SE EXCITAM

Procura guardá-las, poeta,

por muito que sejam poucas as coisas que podem ser detidas.

As visões do teu erotismo.

Mete-as, meio escondidas, nas tuas frases.

Procura segurá-las, poeta,

quando se excitam na tua mente,

à noite ou no esplendor do meio-dia.

 

Konstandinos Kavafis

 

(Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis)

publicado por RAA às 12:50 | comentar | favorito
26
Nov 11

o princípio de m. c. escher (I)

prelúdio e figa sobre um tema popular

 

a)

 

lá sai uma, saem as duas

as três pombas do papel

saem do bico da pena

 

que nesta folha as escreve

e que as penas lhes alisa

sem acrescentar as minhas,

 

ganham força, ganham força,

e aos poucos se desenleiam,

já se equilibram, já voam,

descrevem uma parábola

dum branco intenso no azul,

vêm pousar no peitoril,

de patinhas saltitantes

pulam pra cima da mesa,

fazem dum livro degrau

e regressam ao papel,

entram na caligrafia

que as prende no seu cordel,

letra a letra, linha a linha,

outra vez palavras planas

que atravessam toda a página

pra voltarem a soltar-se

na chegada ao outro lado

e não há ponto final

 

Vasco Graça Moura

publicado por RAA às 19:56 | comentar | favorito
10
Out 11

ALL OR NOTHING AT ALL

Tudo ou todo nada,

pedra ou furo d'água,

feito cada palavra,

lança, dardo, ferida,

em cheio nada.

 

De nada em nada,

o se-dizer do tudo,

feito risco na água,

onda, contorno,

reflexo de nada.

 

Nada feito nada,

no poema

nõ há termo meio,

meio-amor, meia palavra.

 

Do sem

sentido intenso

se faz um tudo atento,

feito a palavra

em cantada,

 

nada

feito

nada.

 

Frederico Barbosa

publicado por RAA às 12:47 | comentar | favorito
31
Ago 11

A PALAVRA INESPERADA

do estômago sobe-me a palavra inesperada
entre a língua destravada e o palato força-me
a boca desabusada desesperada
rasteira-me a mão e cai
sobre o papel
estatelada
13-VI-2003 /
/ 10-XII-2005
publicado por RAA às 11:51 | comentar | favorito
16
Abr 11

IDEIA DO POEMA

Fluída, indecisa, volátil,
inconcreta, a ideia não
se submete facilmente
ao cerco insidioso
da palavra.

                  Elusiva
e ambígua a cada
instância se lhe furta,
presa de um discreto pudor.
A palavra é, porém,

audaciosa, pertinaz, envolvente.
Persegue-a e espreita-a,
faz-lhe longas esperas
e sai-lhe ao caminho
a horas inesperadas, em lugares

incertos.
               Cativa-a
e perturba-a lentamente
subverte-lhe a vontade,
exalta-lhe os sentidos

e, amorosamente,
nela penetra, desfigurando-a.
Da ideia já nada
ou quase, sobra.
Senão o poema.

Rui Knopfli
publicado por RAA às 21:27 | comentar | favorito
29
Mar 11

O JOGO É UM ITINERÁRIO

Na minha oficina herética
o labirinto contraria o linear:
percorre-me
como se fosse uma veia
segura em seus meandros

A não-necessidade, o que seria?
que nova desordem criaria?
que outras descobertas?

A fugaz eternidade das ideias-mestras
incessante refaz os jogos da racionalidade
mas o jogo é um itinerário
e a sedução do rigor
recoloca-nos incessante na senda do desejo

Ana Hatherly
publicado por RAA às 22:58 | comentar | favorito