CANÇÃO SAUDOSA

A Saudade vem bater,

Vem bater à minha porta,

Quando o luar é de lágrimas

E a terra parece morta.

 

E a saudade bate, bate,

Com tal carinho e brandura,

Que nem a aurora batendo

À porta da noite escura!

 

Mas eu ouço-te, Saudade...

E o silêncio é tão profundo!

Ouço vozes, choros de alma,

Que ninguém ouve, no mundo!

 

Misteriosas imagens

Passam, por mim, a falar...

Bem entendo o que elas dizem,

Bem o quisera contar!

 

Mas -- que tragédia! -- emudeço.

Caio, de mim, sobre o nada!

Sou a minha própria sombra

Não sei onde projectada!

 

E entra a Saudade... Fiquei

Como assombrado e sem voz!

Sinto-a melhor, que senti-la

É vê-la, dentro de nós.

 

Vinha com ela a tristeza

Que a tarde espalha no ar...

Vinha cercada das sombras

Que andam, na terra, ao luar.

 

E vinha a sombra dos Ermos,

Com os olhos rasos de água...

E os segredos que a noitinha

Vem dizer à nossa mágoa.

 

Vinha a sombra do Marão

Sob a lua em várias fases;

E, no seu rosto de bronze,

Trazia um véu de lilases.

 

Vinha a alma do Desejo,

Toda a arder... Em volta dela,

Giram mundos e fantasmas,

Como em volta duma estrela.

 

Tudo o que é sonho em vigília

No sono da Criação;

E, entre falsas aparências,

É divina Aparição;

 

Tudo vem com a Saudade,

De noite, bater-me à porta,

Quando o luar é de lágrimas

E a terra parece morta...

 

Teixeira de Pascoais,

Terra Proibida / Antologia Poética

(edição de Ilídio Sardoeira)

publicado por RAA às 13:46 | comentar | favorito