RODOPIO

Volteiam dentro de mim,

Em rodopio, em novelos,

Milagres, uivos, castelos,

Forcas de luz, pesadelos,

Altas torres de marfim.

 

Ascendem hélices, rastros...

Mais longe coam-me sóis;

Há promontórios, faróis,

Upam-se estátuas de heróis,

Ondeiam lanças e mastros.

 

Zebram-se armadas de cor,

Singram cortejos de luz,

Ruem-se braços de cruz,

E um espelho reproduz,

Em treva, todo o esplendor...

 

Cristais retinem de medo,

Precipitam-se estilhaços,

Chovem garras, mantas, laços...

Planos, quebras e espaços

Vertiginam em segredo.

 

Luas de oiro se embebedam,

Rainhas desfolham lírios;

Contorcionam-se círios,

Enclavinham-se delírios.

Listas de som enveredam...

 

 

Virgulam-se aspas com vozes,

Letras de fogo e punhais;

Há missas e bacanais,

Execuções capitais,

Regressos, apoteoses.

 

Silvam madeixas ondeantes,

Pungem lábios esmagados,

Há corpos emaranhados,

Seios mordidos, golfados,

Sexos mortos de anseantes...

 

(Há incensos de esponsais,

Há mãos brancas e sagradas,

Há velhas cartas rasgadas,

Há pobres coisas guardadas --

Um lenço, fitas, dedais...)

 

Há elmos, troféus, mortalhas,

Emanações fugidias,

Referências, nostalgias,

Ruínas de melodias,

Vertigens, erros e falhas.

 

Há vislumbres de não-ser,

Rangem, de vago, neblinas,

Fulcram-se poços e minas,

Meandros, pauis, ravinas,

Que não ouso percorrer...

 

Há vácuos, há bolhas de ar,

Perfumes de longes ilhas,

Amarras, lemes e quilhas --

Tantas, tantas maravilhas

Que não se pode sonhar!...

 

Mário de Sá-Carneiro,

Poemas Escolhidos

(edição de Clara Rocha)

publicado por RAA às 13:25 | comentar | favorito