09
Out 18

O ROUXINOL

Quando foge o Sol

e aparece o luar,

o rouxinol

começa a cantar.

 

A noite toda se encanta,

a noite fica encantada,

porque o rouxinol canta

para a sua namorada.

 

E a namorada, quieta,

ouve na noite que é bela

esse rouxinol-poeta,

esse rouxinol querido

 

que vai ser o marido

dela, só dela.

 

Sidónio Muralha, O Rouxinol e a Sua Namorada (1983)

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21
Set 18

de A MENINA GOTINHA DE ÁGUA

[...]

Era

um dia de sol

na Primavera,

trinavam

os passarinhos

nos seus violinos,

tocavam os grilos

e os grilões

nos seus rabecões,

assobiavam os melros

nos seus flautins

e os sapos,

os sapinhos

e os sapões,

à porta

das suas casotas,

estavam a ouvir

contada pelo sapo Zé Manel

a história

dum menino

que foi poeta e pastor

da Primavera

e que era

muito amigo

dos sapos

e sapinhos

e sapões

e de todos

os que são

(como os sapos)

humildes mas têm

bom coração.

 

Papiniano Carlos, A Menina Gotinha de Água (1962)

Crianças-SapoZeManel-JoanaQuental-PapinianoCarlos

(Joana Quental)

 

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04
Set 18

O CÃO

Tenho coleira, colete,

tenho cama, tenho trela.

Mas bem trocava riquezas

por uma bela cadela.

 

Vivo de papo para o ar,

sempre no maior conforto.

Mas eu queria caçar gatos,

que é um grande desporto.

 

Tenho dono, tenho carro,

como bifes à vontade.

Mas sonho com o perfume

do vento, da liberdade.

 

Uso spray anti-carraças

e um sabão anti-pulgas.

Tu julgas que sou feliz.

Ah, isso é o que julgas.

 

Luísa Ducla Soares, Arca de Noé (1999)

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18
Set 17

DOIS

É conveniente e sensato

ter um cão ou ter um gato.

Sentem as ondas da terra

e as garras longas da guerra,

 

Guerra que morde e se aferra

à humana condição,

cão ou gato sempre espera

que acabe tal maldição.

 

José Carlos González, Breve Tratado da Afeição (1997)

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12
Mar 16

O PRATO DA MENINA

A menina tinha um prato

e dentro do prato um pato

de penas cinzentas e lisas

e no fundo desse prato

havia um prato pintado

e dentro do prato um pato

com uma menina ao lado.

E essa menina de tinta

tinha um prato mais pequeno

e dentro do prato um pato

de penas cinzentas lisas

e no fundo desse prato

estava outra menina ao lado

de um outro pato de penas

cada vez mais pequeninas.

Se a menina não comia

não via o fundo do prato

que tinha lá dentro um pato

de penas cinzentas lisas,

nem via a outra menina

que era bem mais pequenina

e tinha na frente um pato

um pato muito bonito

de penas cinzentas lisas

tão pequenas tão pequenas

que até parecia impossível

como a menina ainda via

e imaginava o desenho

até ao próprio infinito.

 

Maria Alberta Menéres,

in Maria de Lourdes Varanda & Maria Manuela Santos,

Poetas de Hoje e de Ontem --

Do Século XII ao XXI para o Mais Novos

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22
Abr 15

A CIGARRA E A FORMIGA

Tendo a Cigarra em cantigas

Folgado todo o verão,

Achou-se em penúria extrema

Na tormentosa Estação.

 

Não lhe restando migalha,

Que trincasse a Tagarela

Foi valer-se da Formiga,

Que morava perto dela.

 

Rogou-lhe que lhe emprestasse,

Pois tinha riqueza e brio,

Algum grão com que manter-se,

Té voltar o aceso Estio.

 

-- "Amiga, (diz a Cigarra)

Prometo à fé d'animal

Pagar-vos antes de Agosto

Os juros e o principal."

 

A Formiga nunca empresta,

Nunca dá, por isso ajunta

-- "No Verão em que lidavas?"

À pedinte ela pergunta.

 

Responde a outra: "Eu cantava

Noite e dia, a toda a hora."

-- "Oh bravo! (Torna a Formiga)

Cantavas? Pois dança agora."

 

(La Fontaine)

versão de Bocage

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23
Jan 15

POEMA

Havia um menino

que tinha um chapéu

p'ra pôr na cabeça

por causa do Sol:

em vez de um gatinho

tinha um caracol

tinha um caracol

dentro do chapéu.

Fazia-lhe cócegas

no alto da cabeça,

por isso ele andava

depressa, depressa,

p'ra ver se chegava

a casa e tirava o chapéu,

saindo

de lá e caindo

o tal caracol.

Mas era, afinal,

impossível tal,

nem fazia mal

nem vê-lo, nem tê-lo

porque o caracol

era de cabelo!

 

Fernando Pessoa,

in Maria de Lourdes Varanda & Maria Manuel Santos,

Poetas de Hoje e de Ontem

do Século XII ao XXI

para os Mais Novos

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28
Out 14

NO COMBOIO DESCENDENTE

No comboio descendente

Vinha tudo à gargalhada,

Uns por verem rir os outros

E os outros sem ser por nada

No comboio descendente

De Queluz à Cruz Quebrada...

 

No comboio descendente

Vinham todos à janela,

Uns calados para os outros

E os outros a dar-lhes trela

No comboio descendente

De Cruz Quebrada a Palmela...

 

No comboio descedente

Mas que grande reinação!

Uns dormindo, outros com sono,

E os outros nem sim nem não

No comboio descendente

De Palmela a Portimão...

 

Fernando Pessoa,

in Poetas de Hoje e de Ontem

-- do Século XIII ao XXI

para os mais novos

(edição: Maria de Lourdes Varanda

& Maria Manuela Santos)

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03
Jul 14

FRUTOS

Pêssegos, pêras, laranjas,

morangos, cerejas, figos,

maçãs, melão, melancia,

ó música de meus sentidos,

pura delícia da língua;

deixai-me agora falar

do fruto que me fascina,

pelo sabor, pela cor,

pelo aroma das sílabas:

tangerina, tangerina.

 

Eugénio de Andrade,

Poetas de Hoje e de Ontem --

do Século XIII ao XXI, para os mais novos

(Maria de Lourdes Varanda & Maria Manuela Santos)

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26
Jun 14

O MACACO DECLAMANDO

Um mono, vendo-se um dia

Entre brutal multidão,

Dizem lhe deu na cabeça

Fazer uma pregação.

 

Creio que seria o tema

Indigno de se tratar,

Mas isso pouco importava,

Porque o ponto era gritar.

 

Teve mil vivas, mil palmas,

Proferindo à boca cheia

Sentenças de quinze arrobas,

Palavras de légua e meia.

 

Isto acontece ao Poeta,

Orador e outros que tais:

Néscios o que entendem menos

É o que celebram mais.

 

Fábulas de Bocage

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