05
Out 11

PARTIDA PARA O CONTRATO

O rosto retrata a alma

amarfanhada pelo sofrimento

 

Nesta hora de pranto

vespertina e ensanguentada

Manuel

o seu amor

partiu para S. Tomé

para lá do mar

 

Até quando?

 

Além no horizonte repentinos

o sol e o barco

se afogam

no mar

escurecendo

o céu escurecendo a terra

e a alma da mulher

 

Não há luz

não há estrelas no céu escuro

Tudo na terra é sombra

 

Não há luz

não há norte na alma da mulher

 

Negrura

Só negrura...

 

Agostinho Neto

publicado por RAA às 23:35 | comentar | favorito
18
Set 11

PASSEI A VIDA...

Passei a vida a servir
os meus dias passei-os a chorar
no meu mundo
meu inferno.

Os braços trabalhando
para um mundo alheio
os meus dedos musicando
para o mundo alheio.

Meu mundo
meu inferno.

E ainda choro hoje
mas de vergonha
de pejo
por ter vivido num mundo inferno
sem ter tido ao menos alma para morrer

1948

Agostinho Neto
publicado por RAA às 23:11 | comentar | favorito
25
Out 10

ANESTESIA

Palpo o pó da terra
e em meus dedos
só sinto
o receio de pisar
terrenos proibidos.

Aspiro o aroma das flores
e só me figuro
o desespero
e a vala comum.

Entoo canções alegres
e o eco
responde-me em gritos amargurados.

Quero sonhar dias felizes
futuros cor de rosa
mas só vejo
meus dias escuros
carregados de tristeza.

Agostinho Neto
publicado por RAA às 20:21 | comentar | favorito
23
Set 10

KINAXIXI

Gostava de estar sentado
num banco do Kinaxixi
às seis horas duma tarde muito quente
e ficar...

Alguém viria
talvez
sentar-se ao meu lado

E veria as faces negras da gente
a subir a calçada
vagarosamente
exprimindo ausência no quimbundo mestiço
das conversas

Veria os passos fatigados
dos servos dos pais também servos
buscando aqui amor ali glória
além de uma embriaguês em cada álcool

Nem felicidade nem ódio

Depois do sol posto
acenderiam as luzes e eu
iria sem rumo
a pensar que a nossa vida é simples afinal
demasiado simples
para quem está cansado e precisa de marchar.

Agostinho Neto
publicado por RAA às 14:29 | comentar | favorito