12
Out 11

NOVA POESIA

(Ao Amílcar Cabral)

 

Um dia, misteriosamente,

   A Poesia perdeu-se.

   E muita gente

   Andou por montes e vales

   Buscando-a raivosamente.

 

   Encostas inacessíveis

   Foram galgadas em vão,

   Gritos e mãos para os céus

   Lágrimas, sangue e suor...

   E a própria vida

   Foi também oferecida...

   Mas a Poesia estava

   Irremediavelmente perdida.

 

   Os homens gritaram raivas:

   -- Não sabiam que fazer...

 

   Mas, de cada peito contrito,

   De cada lágrima ou grito,

   De cada gesto de dor,

   De todo o sangue ou suor

   Discretamente nascia

   Uma nova Poesia.

 

Aguinaldo França

publicado por RAA às 11:30 | comentar | favorito
13
Set 10

HERANÇA

O meu avô escravo
legou-me estas ilhas incompletas
este mar e este céu.

As ilhas
por quererem ser navios
ficaram naufragadas
entre mar e céu.

Agora
aqui vivo eu
e aqui hei-de morrer.

Meus sonhos
de asas desfeitas pelo sol da vida
deslocam-se como répteis sobre a areia quente
e enroscam-se raivosos
no cordame petrificado da fragata
das mil partidas frustradas.

Ah meu avô escravo
como tu
eu também estou encarcerado
neste navio fantasma
eternamente encalhado
entre mar e céu.

Como tu
também tenho a esmola do luar
e por amante
essa mulher de bruma, universal, fugaz,
que vai e vem
passeando à beira-mar
ou cavalgando sobre o dorso das borrascas
chamando, chamando sempre,
na voz do vento e das ondas.

Aguinaldo Fonseca
publicado por RAA às 12:27 | comentar | favorito