02
Mar 18

"Morre na bainha aquela espada,"

Morre na bainha aquela espada,

Com saudade de ser empunhada pela mão

E a lança sofre por não ser usada

Se o meu braço a não sacia então.

 

Também o corcel sonha com a bocada

Se, arrogante, na emboscada espera.

O cavaleiro é um ávido leão:

Pastando com a presa está a fera.

 

Al-Mu'tamid,

in Adalberto Alves, Portugal na Espanha Árabe (1987)

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30
Out 17

"Ao passar junto da vide"

Ao passar junto da vide

Ela arrebatou-me o manto,

E logo lhe perguntei:

Porque me detestas tanto?

Ao que ela me respondeu:

Porque é que passas, ó rei,

Sem me dares saudação,

Não basta beberes-me o sangue

Que te aquece o coração?

 

Al-Mut'amid,

in Adalberto Alves, O Meu Corão É Árabe

-- A Poesia Luso-Árabe (1987) 

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28
Jan 17

EVOCAÇÃO DE SILVES

Saúda, por mim, Abu Bakr,

Os queridos lugares de Silves

E diz-me se deles a saudade

É tão grande quanto a minha.

Saúda o palácio dos Balcões

Da parte de quem nunca os esqueceu.

Morada de leões e de gazelas

Salas e sombras onde eu

Doce refúgio encontrava

Entre ancas opulentas

E tão estreitas cinturas!

Mulheres níveas e morenas

Atravessavam-me a alma

Como brancas espadas

E lanças escuras

Ai quantas noites fiquei,

Lá no remanso do rio,

Nos jogos do amor

Com a da pulseira curva

Igual aos meandros da água

Enquanto o tempo passava...

E me servia de vinho:

O vinho do seu olhar

Às vezes o do seu copo

E outras vezes o da boca.

Tangia cordas de alaúde

E eis que eu estremecia

Como se estivesse ouvindo

Tendões de colos cortados.

Mas retirava o seu manto

Grácil detalhe mostrando:

Era o ramo de salgueiro

Que abria o seu botão

Para ostentar a flor.

 

Al-Mu'tamid,

in Adalberto Alves, O Meu Coração É Árabe (1987)

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14
Jan 14

"Aquele homem desejou-me longa vida"

Aquele homem desejou-me longa vida…

De que serve ao prisioneiro vida prolongada?

Não é a morte melhor p’ra quem padece

E sente sem fim a vida atormentada?

E se outros esperam descobrir o amor

Meu único fito é encontrar a morte…

Deverei viver p’ras minhas filhas ver

Rotas, famintas, no vaivém da sorte?

Serviçais daqueles cuja maior missão

Seria, tão-somente, anunciar-me

Afastar gente que me embaraçasse

Ou cavalgar, para, preparar-me

Tropas alinhadas, quando o pendão se levantasse,

Exausto de correr à frente e atrás

Se a desordem na fila se mostrasse?

O voto que alguém sinceramente faz

É feito p’ra valer, se de alma pura:

Possa aquele homem bom ser premiado

Que a vida lhe dê maior doçura.

Minh’alma achou conforto no que lhe foi dado

E na certeza de que nada dura.

 

 

 Al-Mu'tamid

Adalberto Alves, O Meu Coração É Árabe – A Poesia Luso-Árabe (1987)

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10
Jan 14

"Solta a alegria! Que fique desatada!"

Solta a alegria! Que fique desatada!

Esquece a ânsia que rói o coração.

Tanta doença foi assim curada!

A vida é uma presa, vai-te a ela!

Pois é bem curta a sua duração.

 

E mesmo que a tua vida acaso fosse

De mil anos plenos já composta

Mal se poderia dizer que fora longa.

 

Que seres triste não seja a tua aposta

Pois que o alaúde e fresco vinho

Te aguardam na beira do caminho.

 

Que os cuidados não sejam de ti donos

Se a taça for espada brilhante em tua mão.

Da sabedoria só colherás a turbação

Cravada no mais fundo do teu ser.

É que dentre todos, o mais sábio

É aquele que não cuida de saber.

 

Al-Mu'tamid

in Adalberto Alves, O Meu Coração É Árabe (1987)

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