03
Jun 11

CONFISSÃO

No silêncio pesado do caminho,
ouviu-se um passo, cadenciado
na firmeza das horas decisivas.

A sentinela bradou:
                              -- Quem vem lá?...

O Homem podia ter respondido
qualquer coisa parecida
com: «gente de paz»...

Mas não. Onde a paz,
se no seu peito ardiam agonias
enraivadas,
se nos seus olhos boiavam
visões de fogo e de morte,
e as suas mãos,
(ó belas, generosas mãos!)
vinham ainda tintas
dos sangue dos camaradas?...
Não trocou portanto as falas.

Respondeu simplemente, sombriamente:
                   -- EU!

E a sentinela, varou-o com três balas.

Lisboa, 1949 (Maio)

Alda Lara
publicado por RAA às 12:47 | comentar | favorito
tags:
20
Mai 11

MOMENTO

Nos olhos dos fuzilados,
dos sete corpos tombados
de borco, no chão impuro,
eis!
...sete mães soluçando...

Nas faces dos fuzilados,
nas sete faces torcidas
de espanto ainda, e receio,
...sete noivas implorando...

E do ventre de além-mundo,
sete crianças gritando
na boca dos fuzilados...

sete crianças gritando
ecos de dor e renúncia
pela vida que não veio...

Na boca dos fuzilados
vermelha de baba e sangue,
...sete crianças gritando!

Alda Lara
publicado por RAA às 17:14 | comentar | favorito
tags:
28
Set 10

PRELÚDIO

Pela estrada desce a noite
Mãe-Negra, desce com ela...

Nem buganvílias vermelhas,
nem vestidinhos de folhos,
nem brincadeiras de guisos,
nas suas mãos apertadas.
Só duas lágrimas grossas,
em duas faces cansadas.

Mãe-Negra tem voz de vento,
voz de silêncio batendo
nas folhas do cajueiro...

Tem voz de noite, descendo,
de mansinho, pela estrada...
Que é feito desses meninos
que gostava de embalar?...

Que é feito desses meninos
que ela ajudou a criar?...
Quem houve agora as histórias
que costumava contar?...

Mãe-Negra não sabe nada...

Mas ai de quem sabe tudo,
como eu sei tudo
Mãe-Negra!...

Os teus meninos cresceram,
e esqueceram as histórias
que costumavas contar...

Muitos partiram p'ra longe,
quem sabe se hão-de voltar!...

Só tu ficaste esperando,
mãos cruzadas no regaço,
bem quieta bem calada.

É tua a voz deste vento,
desta saudade descendo,
de mansinho pela estrada...

Lisboa, 1951

Alda Lara
publicado por RAA às 18:59 | comentar | favorito