CANÇÃO DE OUTONO
Ritmo de soluços
Tem esta triste canção
Na aparência toda calma;
É que sobe à minha boca
O que trago na minha alma.
É hoje que tenho penas.
-- As mesmas que sempre tive --
Assim lembrando-as a fundo
Sinto que a vida
Me sustem no meu declive...
Cantando, a gente, amortece
A mágoa maior que seja.
É como beijar a boca
Dalguém que também nos beija.
Coração -- pobre erradio,
Quando acabas de cantar?
-- Acaba, que tenho frio...
Dir-se-ia que vai nevar...
António Botto
in presença 20,
Coimbra, 1929