08
Mai 12

"Os antigos eram jovens, e nós"

Os antigos eram jovens, e nós,

disse Bacon num lúcido momento,

somos velhos, embrulhados em

constante movimento. Hoje podia

ter vinte anos, um corpo diferente

capaz de reflectir

o sol, que além das nuvens brilha;

 

saberia, com arte de palavras,

dizer, do céu, os nomes mais completos;

de barbas brancas visitando asilos

os nossos filhos nos dariam fama.

E ainda assim alguma

pequena coisa perderia: o céu, talvez,

na sua cor mais fria;

 

manhãs de temporal, quando distantes

relâmpagos azuis cobrem a terra;

o cheiro a chuva, o sabor de alguns frutos;

estória por contar, livros por ler;

a sábia opinião do chanceler;

e sobretudo, no teu rosto, o véu

do antigo amor chamado juventude.

 

António Franco Alexandre

publicado por RAA às 16:55 | comentar | favorito
10
Abr 12

(BOXE)

No mini-ginásio do Sport Lisboa e Amoreiras

um rapazola gritou: poesia! poesia

é o cangalho das feiras, onde sempre

chega tarde a melodia!, a camisola

lançada pró tapete com sabor a sujo.

E no entanto, o braço era perfeito;

 

o ombro um tanto oblíquo merecia

o olho pardo do freguês vizinho.

A laranja, no sumo, é sábia pena

para o desejo ou fuga que meneia

cegos copos de vidro facetado

e a bandeira do clube de permeio.

 

A rima, sim, é esse vão ouvido

com que se atiram socos à parede;

um deus, seguramente, mas aflito

de não saber coas mãos, depois,

quando era fim de noite e já ninguém sabia

o que era corpo, sangue ou poesia.

 

António Franco Alexandre

publicado por RAA às 14:58 | comentar | favorito
07
Mar 12

de QUATRO MORADAS

Se eu fosse jovem, teria vinte anos,

andava na guerra; aos vinte e cinco pedia

bilhete de identidade.

Isto, contudo, era noutra constelação,

com os planetas trocados.

Fontes bem informadas me disseram:

 

50 anos atrás o poeta, engraçado,

seria comissário da MP.

Cem anos atrás estaria nas vinhas,

a ler camilo nas entrelinhas.

Esta, porém, é uma estória sci-fi

com astronautas colossais.

 

Se eu fosse jovem desprezava o subsídio

da paz amarela, mudava a galáxia

à primeira vontade dos sentidos,

e sentado na pedra para todo o sempre

gritava, gritava, até que rasgasse

os nós duros de sangue nos ouvidos.

 

António Franco Alexandre

publicado por RAA às 14:58 | comentar | favorito
08
Fev 12

...

Evidentemente, seria fácil

a qualquer crocodilo lançar um raio poderoso

e desfazer-me em cinza. Um tiro

no crânio, por outro lado,

depende do calibre, da espessura do ar,

da secura da mão, do tecido da luva.

 

Raramente os filósofos são assassinados

sem cobertura legal. O poema,

violento e cruel, dá entrada

na embaixada do nobel.

Ficam tão belos os seus versos

em turco, junto à lareira,

 

embrulhados em cordel! Não é viável

encontrar tigres no jardim; talvez

um novíssimo andróide o satisfaça.

Traz todos os programas, e depois

basta lamber-lhe a face e sem demora

terá o resultado que merece.

 

António Franco Alexandre

publicado por RAA às 17:09 | comentar | favorito
10
Jan 12

de QUARTAS MORADAS

O múltiplo sentido das permutações

do tempo que o poema permite

assombra. Uma sequência de imagens

simples, e finalmente convencionais,

a rápida sucessão das unidades dinâmicas do verbo,

combina as três perspectivas

 

que os filósofos dizem do eterno, do instante, e

do perene. A terra mesma se transforma,

a sombra das nuvens ao voar sobre as casas

dá repouso e abrigo à obra das nossas mãos.

Passam os anos como os dias, o dia de agora

é inteiro e completo como outrora.

 

Lendo, já sei, talvez nada aconteça:

vento nas folhas, água, uma estrela que cai.

Comendo a sopa quente diante da tv

a ordem da história e da sociedade não está

prevista no menu. Ainda assim são estas imagens voláteis

a razão do poema, enquanto dura o sol.

 

António Franco Alexandre

publicado por RAA às 14:27 | comentar | favorito