21
Dez 10

OS MEUS AMIGOS

Amigos cento e dez e talvez mais,
Eu já contei! vaidades que eu sentia!
Pensei que sobre a terra não havia
Mais ditoso mortal entre os mortais.

Amigos cento e dez, tão serviçais,
Tão zelosos das leis da cortesia,
Que eu já farto de os ver, me escapulia
Às suas curvaturas vertebrais.

Um dia adoeci profundamente,
Ceguei. Dos cento e dez houve um somente
Que não desfez os laços quase rotos.

Que vamos nós (diziam) lá fazer,
Se ele está cego, não nos pode ver...
Que cento e nove impávidos marotos.

Camilo Castelo Branco
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14
Dez 10

JORGE

Constantemente vejo o filho amado
Na minha escuridão, onde fulgura
A extática pupila da loucura,
Sinistra luz dum cérebro queimado.

Nas rugas de seu rosto macerado
Transpira a cruciantíssima tortura
Que escurentou na pobre alma tão pura
Talento, aspirações... tudo apagado!

Meu triste filho, passas vagabundo
Por sobre um grande mar calmo, profundo,
Sem bússola, sem norte e sem farol!

Nem gosto nem paixão te altera a vida!
Eu choro sem remédio a luz perdida...
Bem mais feliz és tu, que vês o sol.

Camilo Castelo Branco
publicado por RAA às 14:16 | comentar | ver comentários (2) | favorito
22
Nov 10

A MAIOR DOR HUMANA

Que imensas agonias se formaram
Sob os olhos de Deus! Sinistra hora
Em que o homem surgiu! Que negra aurora,
Que amargas condições o escravizaram!

As mãos, que um filho amado amortalharam,
Erguidas buscam Deus! A Fé implora.
E o céu que respondeu? As mãos baixaram
Para abraçar a filha morta agora.

Depois, um pai que em trevas vai sonhando,
E apalpa as sombras deles onde os viu
Nascer, florir, morrer!... Desastre infando!

Ao teu abismo, pai, não vão confortos.
És coração que a dor empederniu,
Sepulcro vivo de dois filhos mortos.

Camilo Castelo Branco
publicado por RAA às 18:09 | comentar | favorito