15
Out 13

TÚMULO DO POETA DESCONHECIDO

uma brochura

que mal se sustenta de pé

na biblioteca pública

de uma cidadezinha qualquer

 

as páginas amareladas

de uma antologia

com trezentos e tantos

tantos tantos "poetas"

 

um título

perdido

(muito cedo, muito cedo)

nas prateleiras de um sebo

 

apenas um nome

(nowhere man)

na babilônica

lista telefônica

 

numa obscura

repartição pública

(beneficência da língua portuguesa)

sem cura

 

um bando bêbado

no fundo do bar

olhando pro nada

e pensando que é o mar

 

no tumulto da vida -- o túmulo

requiescat in pace

& não volte jamais

 

Carlos Ávila

Na Virada do Século --

Poesia de Invenção no Brasil (2002)

edição: Claudo Daniel

e Frederico Barbosa

publicado por RAA às 13:23 | comentar | favorito
12
Jul 13

AQUI

continuar aqui

apesar de

 

roendo pedra

comendo amor

 

(montanhas?

são tão estranhas

 

acima -- impassível

l'azur l'azur l'azur...

 

na única cidade

com abóbada celeste

 

abaixo -- impossível

vida sem saída

 

labirintos: look around

the lonely people)

 

continuar aqui

à beira de

 

comendo pedra

roendo amor

 

Carlos Ávila

inClaudio Daniel e Frederico Barbosa,

Na Virada do Século -- Poesia de Invenção no Brasil (2002)

publicado por RAA às 19:28 | comentar | favorito
14
Jun 13

SEM PROFISSÃO

o sol

(fraco e frio)

entre ferragens retorcidas

oxidadas

depois de dias de chuva

 

(fios

árvores caídas

lixo por toda a parte)

 

de uma janela

aberta na tarde

sai o som de uma remington

(movida a lenha)

 

um homem sem profissão

tenta o impossível:

escrever um poema

 

a luz

(fraca e fria)

não aquece o seu coração

 

Carlos Ávila

in Claudio Daniel e Frederico Barbosa,

Na Virada do Século -- Poesia de Invenção no Brasil (2002)

publicado por RAA às 19:41 | comentar | ver comentários (2) | favorito
23
Abr 13

BAUDELAIRE SOB O SOL

o sol

(a ser adjetivado:

im-pla-cá-vel)

descorou a capa

de um volume de baudelaire

 

as flores do mal

(descubro)

não resistem à lenta

violência do sol

(sol de boca-de-sertão

que estorrica o solo?)

 

também

quem mandou

colocar a estante

nesta posição:

o que estaria baudelair

(em efígie gráfica)

fazendo no sertão?

 

se as flores do mal

não suportam o sol

(repondez baudelaire)

reisitiriam aos punhais

do óxido e do sal?

 

Carlos Ávila

in Claudio Daniel e Frederico Barbosa,

Na Virada do Século -- Poseia de Invenção no Brasil

publicado por RAA às 13:48 | comentar | favorito
01
Fev 13

POETRY: THE WORD I AM THINKING OF

& não será

a poesia

(femme fatale)

apenas uma palavra

dentro de outra palavra

que não quer dizer nada

& não será

a poesia

(femme publique)

apenas a migalha

dentro de outra migalha:

fogo de palha

& não será

a poesia

(femme de chambre)

apenas o ar assoprado

por um aloprado

no ouvido do olvido

& não será

a poesia

(femme grosse)

apenas o resto

de um almoço indigesto

entre convivas do inferno

?

 

o que será

(une femme: infâme)

será

 

Carlos Ávila

in Na Virada do Século -- Poesia de Invenção no Brasil

(edição de Claudio Daniel e Frederico Barbosa)

publicado por RAA às 13:44 | comentar | favorito