24
Set 11

EVA

A culpa toda
me reveste
e eu nua.

Ouvi o que
a serpente
sussurrava
e caí.
Com Adão.

Nos desterrou
o anjo.
Era o conhecimento
de um pudor
ou soluço.

O que pode
a dor,
se nenhum traço
nos julga?

Com medo,
escondo a face.
E opaco, nulo
o riso. Tudo
é desconhecido
fora do paraíso.

Carlos Nejar 
publicado por RAA às 21:27 | comentar | favorito
12
Set 11

FUI GERADO

Fui gerado
Como as sombras te geraram
Ai as sombras

Que pariram nas cavernas
Ai as sombras que pariram
Minha sombra nas cavernas

Tantos gestos que se buscam
Tantos lábios que se entregam
Tantos corpos que se apagam
nas cavernas

Ah os homens serão tristes
Pois não sabem donde vêm
Ah os homens serão tristes
Pois não sabem onde vão

Fui gerado Noite adentro
Tua fome me vestia

Fui gerado Noite adentro
Como a terra
Que as raízes não consomem

Fui gerado Noite adentro
Era o Sol que fecundava
Era a terra que sangrava
E do íntimo da terra
Era um homem que brotava

Fui gerado Noite adentro

Carlos Nejar
publicado por RAA às 22:55 | comentar | favorito
09
Set 11

O SELO DOS DIAS

Dias virão, dias virão
a golpes secos
de potros
no chão.

Não sei se já nasceram,
não sei onde se encontram
os dias
que amo tanto.

(No cano de um fuzil
ou no cano do espanto).

Dias virão virão,
lobos de aragem
e a todos morderão
com sua liberdade.

Que pássaros
se aplumam
nas penas destes pássaros?

Serão dias saltando
aos ombros
de outros ombros,
até onde houver ombros
irão dias brotando.

Carlos Nejar
publicado por RAA às 14:26 | comentar | favorito
24
Ago 11

CANGA

Jesualdo Monte, não és homem.
És um burro
carregado de ossos;
as palavras, insetos,
volteiam-te a garupa;
até a carne é hostil
sob a carcaça
e o presságio dos seres
te enternece.

Não te movem as fendas,
nem as urzes,
nem o jogo de vozes,
o repouso das tardes
e as vigas
que desceram ao rio
no teu lombo.

O mundo te apertou com sua cincha
e tudo em ti
transpõe o desespero,
desapegando patas e raízes.

É esta a condição de não ser homem:
dormir, placidamente, sem remorsos,
no curral dos mortos.

É esta a condição de não ser homem:
ruminar o assombro, junto ao feno,
receber o milagre sem transtorno,
seguindo sempre, onde manda o dono.

É esta a condição de não ser homem:
lanhado o casco por chicote lesto,
zurrar, apenas, mastigando o freio.

É esta a condição de não ser homem.

Carlos Nejar
publicado por RAA às 11:13 | comentar | favorito
01
Jul 11

ELEGIA

Liberdade,
sem ti nada mais sei.

Compreendi o mundo
em ti, sútil
compêndio.

Amei muito antes
de me amares,
entre surtos e sulcos.

Amei
e só a morte
de perder-te
me faz viver
multiplicando
auroras, meses.

E sou tão doido
que o risco inútil
percorri
de me perder, perdendo-te,
perdido em mim.

Carlos Nejar 
publicado por RAA às 14:33 | comentar | favorito
23
Out 10

LUNALVA

Se quiserem saber quem sou
-- Não sei quem sou
Só sei que em mim
A sombra e a luz
São vultos
Que se buscam e amam
Loucamente

Se quiserem saber do meu destino
-- Não sei do meu destino
-- Não sei do meu nome
Só sei daquela sede
Imensa sede
Que ainda não foi saciada

Se quiserem saber donde venho
-- Não sei donde venho.
Talvez venha do vento
Do deserto
Do mar
Ou do fundo das madrugadas

Não
Não me amem tão depressa
Não me compreendam tão depressa
Não me julguem tão fácil
Por favor
Não me julguem tão mesquinho
Tão quotidiano

O pão que trago comigo
-- Não é pão
É fogo
O vinho que trago comigo
-- Não é vinho
É sangue

E eu vos afirmo
-- Todos hão-de beber
Do Fogo e do Sangue

Carlos Nejar
publicado por RAA às 23:47 | comentar | favorito
07
Out 10

CÂNTICO

Limarás tua esperança
até que a mó se desgaste;
mesmo sem mó, limarás
contra a sorte e o desespero.

Até que tudo te seja
mais doloroso e profundo.
Limarás sem mãos ou braços,
com o coração resoluto.

Conhecerás a esperança,
após a morte de tudo.

Carlos Nejar
publicado por RAA às 15:13 | comentar | favorito