APELO
Pedido de socorro (onde estou eu?)
lançado ao mar numa garrafa escura.
À minha beira fica a sepultura;
dentro repousa o corpo que foi meu.
Aves de agoiro, a vida como é dura!
Tão pouco azul o derradeiro céu!
O vento norte alastra o claro véu
e esconde aos olhos a nudez impura.
Ah, sol de Junho!, ao menos és real:
teus finos dedos, alongados, tersos
retratam-me em tamanho natural.
Outro sinais ficam de mim dispersos
por sobre a água funda e o areal.
No bojo da garrafa vão só versos.
Daniel Filipe, in As Folhas de Poesia Távola Redonda
(esição de António Manuel Couto Viana)