02
Nov 14

CAMPONESES

2

 

O quarto das cebolas.

Por trás da porta esburacada

uma rapariga nua

de belíssimas mamas enxutas puxadas para cima

um cão de lombo comprido o pêlo esticado

outra rapariga de mamilos violentos

-- um sol viúvo.

 

Praia da Granja

-- Inverno de 2005

 

Abel Sabaoth

[Fernando Grade],

in Viola Delta vol. 42, 2006

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03
Abr 11

LESLIE -- S.O.S.!

Peço aos teus lábios carnudos que me telefonem.
publicado por RAA às 16:23 | comentar | favorito
21
Mar 11

HISTÓRIA COM DENTES DE LOBO

Às vezes, acordo muito feliz
sinto-me um verdadeiro campeão:
o meu pai viveu mais tempo que a rainha Vitória.


Fernando Grade
publicado por RAA às 19:59 | comentar | favorito
13
Mar 11

CHARANGA

Estes soldados de azul passaram para baixo
a ganga frenética, os olhos com ferrugem de rio.
As botas batiam no solo ao som da música,
havia as árvores em fuga e os pássaros,
uma criança de caracóis (o bibe verde...)
levantava voo no açúcar de um sorvete.

Máquinas festivas tecidas de pulmão e trevo
a infância chegava em estátua de barro
um cheiro musguento a uvas e
os trombones subiam na rede, as flautas
rasgavam o medo, as mãos ágeis poisadas
em abeto imaginário: o coração à solta.

Estes corpos suados e com galochas
trazem sargaços no tocar: há uma salsugem
solitária a muitos, beijos de sal que
(rompendo os saxes) adoçam os gestos,
desfazem a mínima gravata e atingem a água
com radar de serpente, água música.

Charanga de metal e sustos onde a pedra rei é mulher
e os soldados vingam-se em saliva de sons.
-- Quem deitou fogo ao piano que não há?

Fernando Grade 
publicado por RAA às 16:44 | comentar | favorito
07
Mar 11

FALA DO ADVOGADO ENQUANTO DON JUAN

Só fico satisfeito
quando as partes se beijam.

Fernando Grade
publicado por RAA às 20:42 | comentar | favorito
03
Mar 11

A MATÉRIA DO SONETO

                                         à memória de Artur António da Silva Lino
                                        ao camarada
                                        ao amigo

Este soneto é feito de vertigens,
curvo corvo mordido pelo fogo.
Doze bocas de cidra são virgens
que não voltam mas dizem até logo.

Há corpos enforcados em carroças,
ombros gráceis a arder por sob as tranças.
E mulheres que nunca foram moças
deitam sapos nos olhos das crianças.

Este soneto é beco de poetas,
um pouco de veneno nas tabernas;
aqui rangem fantasmas, morre gente.

Este soneto cheira a meias pretas:
é papoila de cal, sebo das pernas,
oh flor sangrada, ovos de serpente.

Fernando Grade
publicado por RAA às 23:59 | comentar | favorito
09
Fev 11

O CÃO É O SEU PRÓPRIO PASTOR

O cão é o seu próprio pastor,
disse-te um dia, cansado de tantas nuvens
sorumbáticas. Um pedaço de broa bem mordida
cresce nos dedos, nesses férteis veios de lágrimas
e pomares.
Grinaldas foram as tripas do cão
antes de as nozes da ceia terem sido
uma madeira patética, leite de cabra a arder.

Não sei se a boca é inválida
ou se um linho de cerejas mutilou os dedos
da tecedeira.
Também o madeiro ficou carbonizado
dos joelhos em febre à fronte.
O fim lógico e justo das robínias
e de todos os materiais de cheiro e mel
é uma surdina,
pedra que bate em pedra e rola
e canta e reza trigos bonitos.

O cão castanho, rasgador de céus
é o seu próprio pastor.

Casel -- 1 de Dezembro de 1990


Fernando  Grade
publicado por RAA às 19:59 | comentar | favorito
19
Set 10

HÁ LIVROS PERVERSOS QUE MORDEM O PELO DO CÃO

Há livros infelizes que
foram escritos para corroer -- à mosca --
a casta paciência do cão:
o bicho não pode viajar por entre laranjas
nem subir ao céu das árvores
para sonhar mais perto do caos.
O lugar das patas não pode ser denso
e muito menos aquecido por vermes.
Que focinho? Um cheiro possível de algas e
flores ratadas,um sino quebrado.

O animal (sentado) espreita a côdea
que lambe o beato fogo e o bolor.
É um artistas de almas em salmoira
movido a sopas de vinho
-- os pêlos altos, colados às rachas sulfurosas
do muro que foi de giestas.
A barba do cão faz anos
e nesses cabelos a crescer
ficamos todos mais velhos.

Palm -- 18 de Novembro de 1990
Fernando Grade

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