17
Fev 11

F. HÖLDERLIN

É de uma tal vaidade, o discurso da poesia.
Por vezes, até nem sinto que as botas que uso
não transportam já consigo o sentido da vida.
E quanto a isso, não há canções, poemas, que o contradigam.
Uma expressão sem rosto, uma frase sem sentido,
a que, a custo, já não se regressa nunca.
Fecha-se então o pensamento, como um pêndulo
à procura do suplício. Ou de uma lição
que não venha nos livros e que, resistindo
interiormente, sobre nós caia e perdure.
Lá fora, só o vento sopra: sôfrego e inseguro.
Fecham-se os olhos, sossobram os esforços -- mas,
na agitação do silêncio, procuram-se apenas os mais puros.

Fernando Guerreiro
publicado por RAA às 23:59 | comentar | favorito
20
Set 10

OS ÚLTIMOS FRUTOS

Que os últimos frutos sequem, nem por isso deixam de ser os mais apetecidos.
As próprias estações confundem-se num frasco de compota
de cujo fundo inúmeras gerações parecem ter saído.
Leva-se a mão ao fruto e um ardor consome-se na boca --
álcool de que o sentimento impróprio decai: enxuto, ressequido.
Ah, deixa-me beijar a tua boca -- até que do fundo
de um sabor a mosto eu me sinta recluso e excluído.
Liofilizados, antes da estação, agora caem os frutos.
Uns dão a luz ao dia, outros, à morte, um sentido inapetecido.

Fernando Guerreiro
publicado por RAA às 18:41 | comentar | favorito