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Jan 14

ÁRVORES DO ALENTEJO

Ao Prof. Guido Battelli

 

Horas mortas… Curvada aos pés do Monte

A planície é um brasido… e, torturadas,

As árvores sangrentas, revoltadas,

Gritam a Deus a bênção duma fonte!

 

E quando, manhã alta, o sol posponte

A oiro a giesta a arder, pelas estradas,

Esfíngicas, recortam desgrenhadas

Os trágicos perfis do horizonte!

 

Árvores! Corações, almas que choram,

Almas iguais à minha, almas que imploram

Em vão remédio para tanta mágoa!

 

Árvores! Não choreis! Olhai e vede:

-- Também ando a gritar, morta de sede,

Pedindo a Deus a minha gota de água!

 

Florbela Espanca,

Charneca em Flor (1931) /

Antologia Poética

edição de Fernando Pinto do Amaral 

publicado por RAA às 19:20 | comentar | favorito
22
Nov 10

ALMA PERDIDA

Toda esta noite o rouxinol chorou,
Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
Alma de rouxinol, alma da gente,
Tu és, talvez, alguém que se finou!

Tu és, talvez, um sonho que passou,
Que se fundiu na Dor, suavemente...
Talvez sejas a alma, alma doente
De alguém que quis amar e nunca amou!

Toda a noite choraste... e eu chorei
Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
Que ninguém é mais triste do que nós!

Contaste tanta coisa à noite calma,
Que eu pensei que tu eras a minh'alma
Que chorasse perdida em tua voz!

Florbela Espanca
publicado por RAA às 11:32 | comentar | favorito
04
Nov 10

NOITINHA

A noite sobre nós se debruçou...
Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora!
O luar, pelas colinas, nesta hora,
É a água dum gomil que se entornou...

Não sei quem tanta pérola espalhou!
Murmura alguém pelas quebradas fora...
Flores do campo, humildes, mesmo agora,
A noite, os olhos brandos, lhes fechou...

Fumo beijando o colmo dos casais...
Serenidade idílica de fontes,
E a voz dos rouxinóis nos salgueirais...

Tranquilidade... calma... anoitecer...
Num êxtase, eu escuto pelos montes
O coração das pedras a bater...

Florbela Espanca
publicado por RAA às 14:39 | comentar | favorito
09
Set 10

A NOITE DESCE

Como pálpebras roxas que tombassem
Sobre uns olhos castanhos, carinhosos,
A noite desce... Ah! doces mãos piedosas
Que os meus olhos tristíssimos fechassem!

Assim mãos de bondade me embalassem!
Assim me adormecessem, caridosas,
E em braçadas de lírios e mimosas,
No crepúsculo que desce me enterrassem!

A noite em sombra e fumo se desfaz...
Perfume de baunilha ou de lilás,
A noite põe-me embriagada, louca!

E a noite vai descendo, muda e calma...
Meu doce Amor, tu beijas a minh'alma
Beijando nesta hora a minha boca!

Florbela Espanca
publicado por RAA às 12:23 | comentar | favorito
02
Set 10

ANTO

Caprichos de lilás, febres esguias,
Enlevos de Ópio -- Íris-abandono...
Saudades de luar, timbre de Outono,
Cristal de essências langues, fugidias...

O pajem débil das ternuras de cetim,
O friorento das carícias magoadas;
O príncipe das Ilhas transtornadas --
Senhor feudal das Torres de marfim...

Lisboa, 14 de Fevereiro de 1915.

Florbela Espanca
publicado por RAA às 14:20 | comentar | favorito