02
Dez 11

CAIXA DE AMÊNDOAS

Ireis, amêndoas, saber

Que incomparável ventura

Às vezes há em sofrer.

 

Na boca vermelha e pura

Onde vos ides perder,

Se vos atrai certa alvura,

Muito deveis padecer.

 

Desta espantosa tortura

Só vos podeis defender

Duma maneira segura,

Dando-lhe o gozo e a doçura

De vos sentir derreter.

 

João Saraiva

publicado por RAA às 12:32 | comentar | favorito
15
Nov 11

A MONTANHA E O VALE

«Sou alta» -- diz a Amizade.

«Sou profundo» -- diz o Amor.

E lembram bem, na verdade,

Montanhe e vale, ao sol-pôr,

Pois antes que o sol resvale

Ao pélago, onde se banha,

Já dorme em sombras o vale

E há ainda sol na montanha.

 

João Saraiva

publicado por RAA às 14:32 | comentar | favorito
17
Out 11

A UM GRÃ-CRUZ DE S. TIAGO

Deram-lhe a cruz de S. Tiago

Em vez da c'roa de louros

Por esta razão simpática:

 

Porque se atira à gramática

Como S. Tiago aos mouros.

 

João Saraiva

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16
Set 11

ONDE?

Tão longe como estás, ó meu desejo,
Quando a noite gelada se avizinha,
Se tu és Dor, ao pé de mim te vejo...

Trajas um manto negro de rainha
E, silenciosa como a sombra, choras
Pousando sempre a tua mão na minha!

Vens de tão longe nas caladas horas!
Se tu és Pranto, esse leal amigo,
E no meus olhos que de noite moras...

Tens neste amargo peito um doce abrigo!
Se estás longe de mim e eu não te alcanço,
Não és pranto nem Dor! Mas, se és Descanso,
Onde te ocultas que não dou contigo?

João Saraiva
publicado por RAA às 11:38 | comentar | favorito
30
Ago 11

COLAR DE PÉROLAS

Esse colar de pérolas sem par
Que te rodeia o colo acetinado,
Parece que rolou, brando e magoado,
Dos teus formosos olhos ao chorar...

Foram rolando as lágrimas e acharam
O teu seio tão pálido e tão frio
Que, apenas a mais límpida caiu,
As pobrezitas, trémulas, gelaram!

João Saraiva
publicado por RAA às 12:23 | comentar | favorito
27
Ago 10

MORS SANCTA

Na humilde cela, onde em perfume casto
O luar esbate, merencório e brando,
Vai-lhe fugir o espírito, beijando
A negra cruz do seu rosário gasto...

Como num sonho tumular, nefasto,
Corvos que passam pela noite, em bando,
Trazem-lhe a morte lívida, cortando
O fundo azul silencioso e vasto...

Em prata líquida o luar escorre
Pelo fio das trémulas espadas
Que esgrime ao vento o canavial do rio...

E, quando, o brilho das estrelas morre,
O monge cerra as pálpebras molhadas,
Levando ao lábio o rosário frio...

João Saraiva
publicado por RAA às 11:04 | comentar | favorito