30
Out 14

FUI À BEIRA DO MAR

Fui à beira do mar

Ver o que lá havia

Ouvi alguém cantar

Que ao longe me dizia

 

Ó cantador alrgre

Que é da tua alegria

Tens tanto para andar

E a noite está tão fria

 

Desde então a arfar

No meu peito a Alegria

Ouço alguém a bradar

Aproveita que é dia

 

Detei-me a descansar

Enquanto amanhecia

Entre o céu e o mar

Uma proa rompia

 

Desde então a bater

No meu peito em segredo

Sinto uma voz dizer

Teima, teima sem medo

 

José Afonso

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27
Jun 14

MAIO MADURO MAIO

Maio maduro maio

Quem te pintou

Quem te quebrou o encanto

Nunca te amou

Raiava o Sol já no Sul

E uma falua vinha

Lá de Istambul

 

Sempre depois da sesta

Chamando as flores

Era dia de festa

Maio de amores

Era dia de cantar

E uma falua andava

Ao longe a varar

 

Maio com meu amigo

Quem dera já

Sempre depois do trigo

Se cantará

Qu'importa depois do trigo

Se cantará

Qu'importa a fúria do mar

Que a voz não te esmoreça

Vamos lutar

 

Numa rua comprida

El-rei pastor

Vende o soro da vida

Que mata a dor

Venham ver, Maio nasceu

Que a voz não te esmoreça

A turba rompeu

 

José Afonso

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27
Mar 14

OS EUNUCOS

Os eunucos devoram-se a si mesmos

Não mudam de uniforme, são venais

E quando os mais são feitos de torresmos

Defendem os tiranos contra os pais

 

Em tudo são verdugos mais ou menos

Nos jardins dos haréns ou principais

E quando os pais são feitos em torresmos

Não matam os tiranos pedem mais

 

Suportam toda a dor na calmaria

Da olímpica mansão dos samurais

Havia um dono a mais da satrapia

Mas foi lançado à cova dos chacais

 

Em vénias malabares, à luz do dia

Lambuzam de saliva os maiorais

E quando os mais são feitos em fatias

Não matam os tiranos, pedem mais

 

José Afonso

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06
Fev 14

GRÂNDOLA, VILA MORENA

Grândola vila morena

Terra da fraternidade

O povo é quem mais ordena

Dentro de ti ó cidade

 

Dentro de ti ó cidade

O povo é quem mais ordena

Terra da fraternidade

Grândola vila morena

 

Em cada esquina um amigo

Em cada rosto igualdade

Grândola vila morena

Terra de fraternidade

 

Terra de fraternidade

Grândola vila morena

Em cada rosto igualdade

O povo é quem mais ordena

 

À sombra duma azinheira

Que já não sabia a idade

Jurei ter por companheira

Grândola a tua vontade

 

Grândola a tua vontade

Jurei ter por companheira

À sombra duma azinheira

Que já não sabia a idade

 

José Afonso

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24
Out 13

CORO DOS CAÍDOS

Cantai bichos da treva e da aparência

Na absolvição por incontinência

Cantai cantai no pino do inferno

Em Janeiro ou em Maio é sempre cedo

Cantai cardumes da guerra e da agonia

Neste areal onde não nasce o dia

 

Cantai cantai melancolias serenas

Como trigo da moda nas verbenas

Cantai cantai guisos doidos dos sinos

Os vossos salmos de embalar meninos

Cantai bichos da treva e da opulência

A vossa vil e vã magnificência

 

Cantai os vossos tronos e impérios

Sobre os degredos sobre os cemitérios

Cantai cantai ó torpes madrugadas

As clavas os clarins e as espadas

Cantai nos matadouros nas trincheiras

As armas os pendões e as bandeiras

 

Cantai cantai que o ódio já não cansa

Com palavras de amor e de bonança

Dançai ó Parcas vossa negra festa

Sobre a planície em redor que o ar empesta

Cantai ó corvos pela noite fora

Neste areal onde não nasce a aurora

 

José Afonso 

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26
Jul 13

CHAMARAM-ME CIGANO

Chamaram-me um dia

Cigano e maltês

Menino, não és boa rês

Abri uma cova

Na terra mais funda

Fiz dela

A minha sepultura

Entrei numa gruta

Matei um tritão

Mas tive

O diabo na mão

 

Havia um comboio

Já pronto a largar

E vi

O diabo a tentar

Pedi-lhe um cruzado

Fiquei logo ali

Num leito

De penas dormi

Puseram-me a ferros

Soltaram-me o cão

Mas tive o diabo na mão

 

Voltei de charola

De cilha e arnez

Amigo, vem cá

Outra vez

Subi uma escada

Ganhei dinheirama

Senhor D. Fulano Marquês

Perdi na roleta

Ganhei no gamão

Mas tive

O diabo na mão

 

Ao dar uma volta

Caí do lancil

E veio

O diabo a ganir

Nadavam piranhas

Na lagoa escura

Tamanhas

Que tal nunca vi

Limpei a viseira

Peguei no arpão

Mas tive

O diabo na mão

 

José Afonso

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15
Jul 13

O CAVALEIRO E O ANJO

Passos da noite

Ao romper do dia

Quantos se ouviram

Marchando a par

Batem à porta

Da hospedaria

Se for o vento

Manda-o entrar

 

Vejo uma espada

De sombra esguia

Se for o vento

Que venha só

Quem está lá fora

Traz companhia

Botas cardadas

Levantam pó

 

Venho de longe

Sem luz nem guia

Sou estrangeiro

Não sou ninguém

Na flor queimada

Na cinza fria

Nunca se passa

Uma noite bem

 

Foge estrangeiro

Da morte escura

Pega nas armas

Vem batalhar

E enquanto a lua

Não se habitua

Dorme ao relento

Até eu voltar

 

Há muito tempo

Que te não via

(Um anjo negro

Me vem tentar)

Batem à porta

Da hospedaria

É aqui mesmo

Que eu vou ficar

 

José Afonso

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19
Jun 13

CANTO JOVEM

Somos filhos da madrugada

Pelas praias do mar nos vamos

À procura de quem nos traga

Verde oliva de flor no ramo

Navegámos de vaga em vaga

Não soubemos de dor nem mágoa

Pelas praias do mar nos vamos

À procura da manhã clara

 

Lá do cimo duma montanha

Acendemos uma fogueira

Para não se apagar a chama

Que dá vida na noite inteira

Mensageira pomba chamada

Companheira da madrugada

Quando a noite vier que venha

Lá do cimo duma montanha

 

Onde o vento cortou amarras

Largaremos pela noite fora

Onde há sempre uma boa estrela

Noite e dia ao romper da aurora

Vira a proa minha galera

Que a vitória já não espera

Fresca brisa moira encantada

Vira a proa da minha barca

 

José Afonso

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04
Mar 11

José Afonso

autor: José Afonso (Aveiro, 2.VIII.1929 - Setúbal, 23.II.1987)
título: José Afonso
coordenador: José Viale Moutinho
textos: A. F., António Cabral, António Rebordão Navarro, Bernardo Santareno, Cáceres Monteiro, Daniel Ricardo, Fernando Assis Pacheco, José Afonso, José Armando Carvalho, José Jorge Letria, Manuel Simões, Urbano Tavares Rodrigues.
colecção: «Vozes Livres» #1
editora: Livraria Paisagem
local: Porto
ano: 1972
págs.: 125
dimensões: 20x12,5x0,6 cm. (brochado)
capa: Sousa Pereira sobre fotografia de Viseu Caldeira
impressão: Gráfica Firmeza, Porto
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12
Dez 10

CANÇÃO DE EMBALAR

Dorme meu menino a estrela d'alva
Já a procurei e não a vi
Se ela não vier de madrugada
Outra que eu souber será p'ra ti

Outra que eu souber na noite escura
Sobre o teu sorriso de encantar
Ouvirás cantando nas alturas
Trovas e cantigas de embalar

Trovas e cantigas muito belas
Afina a garganta meu cantor
Quando a luz se apaga nas janelas
Perde a estrela d'alva o seu fulgor

Perde a estrela d'alva pequenina
Se outra não vier para a render
Dorme que inda a noite é uma menina
Deixa-a vir também adormecer

José Afonso
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