12
Set 12

"Um dia mais, sou menos que era"

Um dia mais, sou menos que era

há momentos: rasurei o rosto

a barba que me embuça

sem imaginação nem sono.

 

Mas ela não se rende. Continua

a vegetar, raiz no sangue,

a mancha que parda punge

na máscara. E derrama-se.

 

Esta chaga não dói, ao supurar

contra o metal contrário:

é um mênstruo inesgotável,

servil, embora másculo.

 

Narcisismo ancestral, a matutina

perseguição aos pêlos,

enquanto o olhar comina o insulto

dos anos que fluem sob o espelho.

 

A pele não repulsa nunca a lâmina:

nem ao ser já pedra musguenta

e, ao despedi-la, outros receiem

que dela ainda esta erva cresça.

 

José Bento

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21
Dez 10

...

     Ergue-se a ave e às vezes
é quase árvore:
luz, fixa,

     suspensa

     do teu olhar, do vento,
dos vultos que num adejo vela,
desvela de repente;

     vê moverem-se
ávidos do seu voo
o chão, casas, o bosque
onde o seu ninho a chama,

     e uma face
que vai de corpo em corpo;

     vê o pântano que sob asas
é rio fugitivo,
sulco de sua fuga imóvel.

José Bento
publicado por RAA às 17:11 | comentar | favorito
17
Dez 10

...

     Uma pomba
Alanceando a luz
Isenta-se da terra;

     sem prendê-la, sustém
a sombra que despiu
e fiel voa sobre ela.

José Bento
publicado por RAA às 15:06 | comentar | favorito