23
Jan 11

Poeta Militante I

autor: José Gomes Ferreira (Porto, 9.XII.1900 -- Lisboa, 8.II.1985)
título: Poeta Militante
subtítulo: Viagem do Século XX em Mim
edição: 3.ª
prefácio: Mário Dionísio, «O "Poeta Militante"»
colecção: «Círculo de Poesia»
editora: Moraes Editores
local: Lisboa.
ano: 1983 (1ª, 1977)
págs.: XXII+297
dimensões: 20x15,5x0,9 cm. (brochado)
impressão: Tipografia Lousanense
observações: Obra poética completa
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16
Dez 10

POEMA

Chove...

Mas isso que importa!,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir a chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu?

Chove...

Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

José Gomes Ferreira
publicado por RAA às 11:59 | comentar | favorito
15
Set 10

MELODIA

II

Há anos de raiva
que te busco em vão,
Melodia!

No sopro dos meus versos,
nas fontes com sede,
nas portas que rangem,
na cólera do mar aberto...

Mas quem te ouve, Melodia,
para além do contorno do silêncio?

Pobre voz que trago em mim
e há-de morrer ignorada
nas trevas dum sol profundo
sem luas de superfície.

José Gomes Ferreira
publicado por RAA às 19:26 | comentar | favorito
12
Ago 10

...

(Nesse verão estivemos todos juntos na praia:
o Manuel Mendes e a Bá, o Chico e a Maria Keil,
o José Bacelar e a Maria Luísa, o José Rocha e a
Selma. E eu mergulhava no mar aos Vivas à República!)

Carcavelos.

«Aqui nesta praia amarela...»
tanto esperei em vão pelo princípio do mundo
com os pés a doerem-me
nas conchas de sangue nu dos tapetes...

Depois despia-me
e desafiava o mar
para sentir na pele
aquele frio antigo tão doce de alfinetes...

José Gomes Ferreira
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10
Mai 09

...

(Na minha vagabundagem nocturna entro
num café quase em frente da Igreja dos
Anjos, frequentado em tempos idos pelo
Poeta Alfredo Brochado, meu amigo so-
nâmbulo.)


Tantas vezes o vi naquela mesa da noite
calado em si mesmo
para não se acordar.

Nesse tempo,
já a poesia não lhe cabia nas palavras,
mas só nos gestos,
na levitação dos passos
perdidos dos ecos...

E certa tarde com uma lâmpada de sombra
pegou na poesia
e levou-a por um subterrâneo de luz
até ao silêncio
escavado nos gritos.

Nesse tempo,
para não quebrarmos o cristal de vivermos por fora,
já não juntávamos as noites na mesma mesa.

Sorríamos apenas,
cada qual do longe da sua ilha:
«Olá! como estás?»
E ficávamos a sonhar
-- simulacro de solidão,
ferrugens e distâncias.

Hoje não.

Hoje se ainda vivesses por fora
esta nossa morte de todos os dias,
iria sentar-me à tua sombra
para explorarmos juntos o silêncio.
E mostrar-te as bandeiras de frio molhado
que trago nos olhos.

Depois sairíamos ambos para o sabor das trevas
onde as formas se devoram
por dentro do sussurro
das ruas mortas.

José Gomes Ferreira

publicado por RAA às 03:22 | comentar | favorito
21
Out 08

...

(A uma árvore seca num velho pátio da
Rua da Palma.)

Todos os dias passo à tua beira
árvore que tens nos troncos e na rama
um destino igual ao meu.
E o mesmo rumo
sem chama
nem fumo.

Aranha de solidão
a tecer como eu
cinzas de não haver fogueira.

Todos os dias passo à tua beira...

(Mas ai de quem só tem chão!
-- sem labaredas
nem asas de um momento
para ir procurar veredas
no país do vento!)

José Gomes Ferreira
s#7
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