CRONOMETRIAS
Nos dias de Heródoto usavam-se
modos mais exactos de medir o tempo
o gotejar da água para a ânfora
o escorrer da areia, grão a grão
a viagem da sombra, como se não fosse
José Tolentino Mendonça, Teoria da Fronteira (2017)
Nos dias de Heródoto usavam-se
modos mais exactos de medir o tempo
o gotejar da água para a ânfora
o escorrer da areia, grão a grão
a viagem da sombra, como se não fosse
José Tolentino Mendonça, Teoria da Fronteira (2017)
No entanto, o poema é feito de palavras. Mas creio que é o silêncio que escreve o poema. As palavras estão lá para o testemunhar. Porque o poema não é a evidência, mas a interrogação, a sugestão, a lacuna, a fenda, a porta entreaberta, a possibilidade de viagem para cá e para lá dele. Nesse sentido, é sempre um sinal transitório, não um vestígio definitivo. O definitivo é justamente onde nos leva. Por isso o endereço do poema é o silêncio.
Entrevista a Maria Leonor Nunes,JL#1127, 11.XII.2013.
O pardal do campo descobre muitos lugares para uma casa
a poucos metros de mim
mundos sobrepostos transitam, preenchem o silêncio
e para o ânimo deles
quem não se levantaria cedo?
A minha arte é uma espécie de pacto:
não distingo as áreas selvagens das cultivadas
e elas não distinguem a minha sombra
da minha luz
José Tolentino Mendonça
Nesse verão nenhum de nós buscava terra firme
parecia-nos caminhar há séculos sobre as águas
Donde viemos nós? Como chegámos a esta luz
austríaca sobre as colinas
ao fumo lento no anfiteatro do golfo
à ordem aleatória do tempo?
Talvez nos caiba viver por cidades estranhas
em casas que esconderão sempre o seu medo
e a sua glória
só diante dos céus
sem a certeza culminante
Vemos a tarde perder-se na direcção do molhe
o mundo é aquilo que nos separa do mundo