12
Abr 12

NATUREZA MORTA COM MAÇÃS

É triste

o espectáculo do amor

apodrecendo aos poucos

na fruteira

as maçãs que te trouxe

têm agora a pele seca e enrugada.

 

Luís Filipe Parrado

publicado por RAA às 11:03 | comentar | favorito
16
Mar 12

ORQUÍDEAS

Foi um erro substituir

por orquídeas

as flores artificiais

no centro da mesa.

Exigem luz, cuidados,

uma humidade temperada.

Bem as conheço:

flores venenosas

donas de uma beleza gratuita.

Às outras bastava passar

o pano do pó às vezes,

nem olhava para elas,

para as suas folhas baças,

para os seus ramos secos de arame;

estas ensinam-me, com esplendor, a tua morte,

a ferida com que o mundo vai cabar.

 

Luís Filipe Parrado

publicado por RAA às 14:56 | comentar | favorito
17
Fev 12

DEPOIS DO AMOR

De mais nada posso falar,

só deste cheiro a fruta espessa, crua,

que de ti me fica nos dedos,

na polpa, entre as unhas,

mesmo depois do sabonete e da água corrente.

 

Luís Filipe Parrado

publicado por RAA às 14:30 | comentar | favorito
26
Jan 12

TUDO O QUE O MEU PAI ME DISSE QUANDO, AOS 15 ANOS, DECLAREI EM FAMÍLIA QUE IRIA COMEÇAR A ESCREVER POESIA

«Antes

de te sentares

à mesa

lava bem

essas mãos.»

 

Luís Filipe Parrado

publicado por RAA às 12:47 | comentar | favorito
20
Jan 11

TEORIA DA NARRATIVA FAMILIAR

Naquele tempo o meu pai trabalhava
por turnos
como herói socialista
no sector siderúrgico
e dormia com a minha mãe.
A minha mãe esfregava
a sarja encardida:
a água ficava da cor da ferrugem.
Havia, por perto, um cão
esgalgado,
sempre a rondar.
Depois, a minha irmã nasceu
e eu fui obrigado
a rever a minha mitologia privada do caos.
Entre uma coisa e outra
aprendi a mentir.
E isso, não sei se sabem, mudou tudo.

Luís Filipe Parrado
publicado por RAA às 10:44 | comentar | favorito