27
Mai 11

POSTAL DE CABO FRIO

o céu
o sol
o vento o mar o sal.

tirando o que é rendoso
pertence o mais a todos.

o de sempre:
o sal entra na pele dos turistas
e sai pelo suor dos homens da salina.

operários do sal e concretismo
sal / saliva
sal / salário
no sal do saldo pouco: sal de assalto.

vento sopra nos estanques:
água-mãe (é mãe, coitada)
volta ao mar envergonhada.

Mário de Oliveira
publicado por RAA às 10:49 | comentar | favorito
17
Mai 11

UMA DE NOME EMÍLIA

uma mulher nasceu em Trás-os-Montes
e veio dar-me à luz cá no Brasil
dela só soube o nome (e era Emília)
antes que eu mais soubesse, ela partiu.

deixou porém vagando no meu sangue
caravelas herdadas a Cabral
que inflando suas velas invisíveis
me pedem mar... distâncias... Portugal.

trazem-me estranhas, vagas nostalgias
daquilo que eu não vi nem foi sonhado,
de gentes que eu amei sem tê-las visto,
de campos que eu cruzei sem ter cruzado.

leva-me às vezes com tal força o vento
na direcção do mar, daquelas terras,
que em pensamento parto na procura
do que ficou em mim além das serras.

caminho então por vilas abstractas
em que há ruas e casas de neblina
e espero ver um vulto que me chame
detrás de alguma porta, de uma esquina.

mas nada vejo dessa sombra antiga
que o deslizar do tempo consumiu,
nada que lembre certa transmontana
que teve certo filho no Brasil.

Mário de Oliveira
publicado por RAA às 16:12 | comentar | favorito
20
Set 10

DO LAVRADOR

de tudo plantou na vida
no exato tempo e na hora.

pegando firme na enxada
cavou fundo na memória.

primeiro quando de colo
plantara leite materno,

logo à frente plantaria
brinquedos, livro, caderno.

semeou depois nos brejos
grão de arroz e sua sala:

não tardou que a casa toda
fosse espalhada na vala.

mais tarde deitou seu sono
dentro de cascas de ervilha

cultivou tomate e soja
sem salitre e fantasia.

quarta-feira plantou fava
muitas quintas plantou milho,

pôs de adubo nas raízes
esterco e leite do filho.

curvado sobre si mesmo
plantou de tudo na vida:

mudas tenras e sementes
do que não teve e não tinha.

plantou coisas que o terreno
reduz a brisas, quimera,

quando o outono desce lento
quando explode a primavera.

Mário de Oliveira
publicado por RAA às 11:40 | comentar | favorito