08
Mar 13

OS HOMENS DA MINHA RUA DE CASAS DE MADEIRA

Os homens da minha rua de casas de madeira,

telhadas de folha velha,

usam sempre o chapéu atirado para os olhos.

Deslizam em silêncio, embuçados e tristes,

como quem vem de longe, como quem vai para longe...

A minha rua é longa,

com mil e uma pequeninas poças de água.

E tão estreita

que nunca o sol das ruas largas sem casa de madeira

a pôde visitar.

E os homens contam as poças.

E de olhos nas poças, nas pedras, nas poças,

deslizam em silêncio, embuçados e tristes,

como quem vem de longe, como quem vai para longe...

 

Porque usarão -- porquê? -- sempre o chapéu sobre os olhos,

os homens da minha rua de casas de madeira?

 

Mário Dioníso,

Poemas

publicado por RAA às 13:25 | comentar | favorito
19
Nov 12

CANTO DE BAR

Canta, cantor esquecido, tuas valsas de angústia!

 

Aqui o canto de bar,

onde vêm parar os que serão suicidas,

gente de todas as nações falando todas as línguas,

emigrados de todos os países.

Aqui o canto de bar

onde ancorou o jogador arruinado

e as mulheres que perderam o número dos amantes

e os moços que sonharm vidas que não puderam ter.

Onde cantores esquecidos cantam valsas lentas e antigas

que trazem a recordação de lares despedaçados.

Onde vieram parar os maltrapilhos perdidos para sempre

e onde as valsas cantadas por vozes arrastadas,

que lembram multidões de coisas,

já não trazem a mínima saudade.

Aqui onde se sabe indiferentemente

que o homem saído há pouco

estendeu a corda e se enforcou na escada.

Aqui onde se joga tudo sem interesse

porque já não há nada para jogar.

É o canto soturno

onde não entra sol nem lua.

Janelas fechadas, só fumo e luz vermelha.,

mulheres de todas as raças de cabelos degrenhados.

Aqui o canto de bar

onde veio parar o lixo de todas as nações.

(Todos que estavam a mais nas cidades e nos lares...)

 

Canta, cantor esquecido, tuas valsas de angústia!

 

Mário Dionísio

publicado por RAA às 19:37 | comentar | favorito
04
Jul 12

CASA DESERTA

Ah nada pior que a casa deserta,
sozinha, sozinha.

O fogão apagado e tudo sem interesse.
O mundo lá longe, para lá da floresta.
E o vento soprando
e a chuva caindo
e a casa deserta...

Ah nada pior que estes dias e dias,
de cachimbo aceso, com as mãos inertes,
com todas as estradas inteiramente barradas,
ouvindo a floresta.
Com tudo lá longe, na casa deserta,
ouvindo eternamente o vento soprando
e a chuva caindo, na noite, caindo...

Há uma cancela de madeira que ginga nos gonzos.
E um velho cão de guarda que ladra sem motivo.
Parece que é gente que vem a entrar.

E é só o vento soprando, soprando,
e a chuva caindo...

Mudaram muita vez as folhas da floresta.
E os olhos do homem são olhos de doido.
Fogão apagado, aceso o cachimbo, o mundo lá longe.

Ah nada pior que a casa deserta,
cheia dum sonho imenso que ficou na cabeça.
A casa deserta na noite deserta.

E o vento soprando
e a chuva caindo
e a casa deserta...

 

Mário Dionísio

publicado por RAA às 15:59 | comentar | favorito
17
Mar 12

Novo Cancioneiro

título: Novo Cancioneiro
prefácio, organização e notas: Alexandre Pinheiro Torres
edição integral: Terra, de Fernando Namora; Poemas, de Mário Dionísio; Sol de Agosto, de João José Cochofel; Aviso à Navegação, de Joaquim Namorado; Os Poemas de Álvaro Feijó; Planície, de Manuel da Fonseca; Turismo, de Carlos de Oliveira; Passagem de Nível, de Sidónio Muralha; Ilha de Nome Santo, de Francisco José Tenreiro; Voz que Escuta, de Políbio Gomes dos Santos.
edição: Editorial caminho
local: Lisboa
ano: 1989 
págs.: 413
dimensões: 24x17,5x2,2 cm. (brochado)
impressão: Gráfica da Venda Seca
capa: Mário Caeiro sobre ilustração de Carlos Marques
tiragem: 3000
publicado por RAA às 17:11 | comentar | favorito
12
Set 10

...

Céu de espantosos gritos que ficaram nos ecos da memória
de procelosas mágoas com pudor de mostrar-se
Cargas maciças de bastões na noite contra cabeças e o resto
Raivosas chicotadas nos porões de naus a afundar-se
rasgando de alto a baixo o horizonte em clarões negros de vitória

Um homem só tem dois braços e a vida inteira lavra
a terra que não é dele e muitas vezes morre sem uma palavra
de protesto

Mário Dionísio
publicado por RAA às 02:41 | comentar | favorito